Trump e a piada pronta: “Como se fosse…”

O Estado-máfia à americana…

Marcus Brancaglione
23 min readApr 13, 2018

Neste sentido falar de Estados Mafiosos passa a ser tão absurdo quanto falar de cleptocracias. Não há cracia que não surja ou se mantenha sem roubo e sequestro de bem e pessoas. Assim como não há mafia sem a venda compulsória de proteção contra toda forma de violência, a começar contra a sua própria.

Mas o que seria então um Estado Mafioso? Não podemos responder essa questão sem separar a propaganda ideológica e juízos de valor tomados como se fossem a definição do Estado daquilo que o Estado é enquanto sistema e fenômeno histórico.

Um Estado antes de ser um sistema é historicamente um processo. Ou um processo que se sistematiza, um procedimento institucionalização por autojustificação caracterizado não só pela posse e controle de fato de um território e sua população, mas pela prerrogativa de direito sobre tais configurando soberania e jurisdição através desse processo de legitimação de seus métodos e finalidades. Tal legitimação se opera e mantém de 2 formas distintas :

internamente, pela suposição de anuência tácita das populações que não mais se levantam mais contra seus domínio das suas forças armadas.

e externamente, pelo reconhecimento das outros Estados forças armadas quanto a tal domínio de fato sob o território e habitantes.

É portanto um processo de “legitimação” onde o direito de ter e fazer deriva do poder de fato para impor submissão aos nativos quanto tregua e reconhecimento (ou no mínimo silêncio) dos Estados concorrentes.

O método é a monopolização da coerção, ameaça e violência através da supremacia armada. E a finalidade é a expropriação e exploração de A em favor da riqueza e poder de B. Ou se preferir em uma terminologia mais favorável, a tributação e imposição de deveres e obrigações sobre A para a garantia e provisão de direitos a B.

Ideologicamente tal busca se justifica e legitimar conceitualmente tais métodos e finalidade através da pressuposição de que tal proceder tem por objetivo maior o bem de todos.

Historicamente o Estado se estabelece quando um grupo organizado hierarquicamente passa a dominar territorialmente outro através da supremacia bélica, tecnológica e claro organizacional. Este grupo dominante pode ser nativo ou estrangeiro, ou composto de uma aliança estratégica entre ambos. Conforme a organização e tecnologia para dominação a organização cresce em complexidade e alcance e as resistências dos dominados são quebradas, os procedimentos impostos são aceitos como leis, e assim conforme a resistência das população diminui e a adesão e conformação aumenta, não só menos se faz necessário o emprego da força de fato para impor a dominação, quanto se permite a tercerização de todas as funções inclusive as militares, de modo que as antigas classes de conquistadores literalmente se civilizem- e velhos nomes de guerra passem a ser verdadeiros títulos nobiliários.

Uma vez instaurada a dominação como cultura, como fazenda de servos, as classes dominantes podem se afastam para reescrever a história do seu passado de pilhagem para desfrutar do butim e assumir comportamentos que caracterizam as ditas civilizações legitimando seus domínios como direito e não roubo. Porém tais civilizações não só continuam assentadas no capital desse roubo, sequestro e carcere dos dominados como precisam literalmente sempre estar prontos para manter a força esse condição como o real e a lei, Precisam recorrer para manter a imposição desse suposto pacto social para manter essa realidade como legalidade sempre que ameaçadas ou questionadas.

De modo que a arte de estabeceler dominio territóriais e populacionais, a arte de governar as pessoas extraindo dela riqueza e trabalho servil, o que diferencia uma organização criminosa ou um proto-estado de um Estado Forte e bem estabelecido é a capacidade do mesmo de obter adesão dos servos e reconhecimento dos outros senhores das outras terras e povos que não possui força de fato para simplesmente ocupar e tomar. Nesse sentido pode se dizer que um Estado é uma organização criminosa em maior escala de organização e logo de controle sobre o território-habitantes. Mas não é. A escala da dominação exige diferente métodos.

Uma gangue consegue roubar, e manter uma ou algumas pessoas com poucas pistolas e alguns atos de terror. Uma quadrilha pode manter uma comunidade inteira sob seu domínio das suas armas e ameaças. Mas sociedades inteiras com grandes extenções de territórios onde a população não está arrebanhada e concentradas e vigiada em grandes centros urbanos em torno dos castelos e palácios, é preciso mais do que coerção para ter Estados sobre nações inteiras é preciso adesão cultural. Adesão cultural que não carece nem quer dizer consentimento tácito nem explicito, mas pode ser perfeitamente efetuada por amestramento e domesticação ou se preferir um termo menos pejorativo educação, algo que se efetua com mais sucesso quanto mais jovens tal procedimento for aplicado.

A uma diferença fundamental entre um ladrão sequestrador ou assassino estatal e um “comum” que não é dada apenas pela dimensão dos seus danos produzidos e privilégios adquiridos, mas de técnicas e métodos agregados de domesticação que diminuem os custos da manutenção do domus. Metódos que permitem que os dominados não só aceitem a custo zero sua dominação mas que literalmente os fazem pagar e trabalhar para sustentar não só os ganhos em posses e poderes daqueles que os dominam, mas sustentar e e até lutar pela preservação do próprio domus. Fazendo de dominados alienados e dominadores alienadores numa espécie de institucionalização e produção industrial em massa de uma síndrome de Estocolmo. É essa condição que caracteriza e permite mantém a institucionalização de toda e qualquer pilhagem ou violência como legitimidade e os chefes desse organização criminosas como a lei e ordem, ou simplesmente Estado.

O salto produzido de uma crime organizado a dominar um território como mafia cobrando mais regrada, regular e “civilizadamente” possível proteção contra ele para o Estado está na passagem do domínio militar para o cultural, onde os “intimidados” não apenas deixam de resistir, mas passam a concordar e até mesmo defender seus “protetores”. De modo que a principal característica que separa a espoliação ilegal da legalizada não é a prerrogativa do emprego da violência para seus fins, mas aceitação do emprego da violência por aqueles que deixam de ladrões de estradas para se tornar o dono das estradas. O poder que permite a monopolização da violência e legitimação desse monopólio não é a violência, mas a aceitação e institucionalização da sua exceção como Estado. A organização estatal difere do crime organizado comum porque esse crime não é suficiente organizado para se institucionalizar suas agressões e privações , isto é, não detém os métodos e processos e sobretudo os meios para obter e manter o domínio através da manipulação das vontades e decisões alheias, mas somente para impor e coagir as vontades e decisões do alheio a força.

O Estado detém e precisa deter o poder cultural tanto para impor sua crimes como lei quanto criminalizar quem ouse resistir ou reagir a seu crime legalizado. O crime organizado que não detém esse poder precisa submergir e mesmo comprando e aparelhando o Estado precisa continuar nas sombras, porque se não tiver poder para legalizar suas práticas e negócios criminosos, e criminalizar as vítimas e concorrentes. Pode até conseguir se manter a par leis ou obter perdão e anistia de seus crimes, mas não consegue legalizar nem se fazer explicita e ostensivamente a lei a ordem. -O que é o Brasil? Uma “Cleptocracia”? Um “Estado-Máfia”? ou um “Estado falido”? Do Estado-Nação ao Estado-Máfia, ou vice-versa.

Dizem que não é o Estado que deve vigiar a sociedade, mas a sociedade que deve vigiar o Estado. Mas assim como o avento do Estado não foi capaz de eliminar o crime e a violência no seio da sociedade, a sociedade não será capaz de eliminar o crime e a violência do Estado, até porque ao contrário da sociedade, a supremacia pela violência é sua gene e origem e não corrupção.

Todo libertário sabe que a solução não está no Estado. pois deveria saber que , logo, ela também não pode estar simplesmente na sua eliminação (ou redução). Afinal se nele não está a solução, certamente também nele não pode estar o problema nem muito menos a causa da qual o Estado é portanto mais uma das consequências não raro maléfica mas com certeza não sua origem.

Tudo que vale para o crime comum organizado, que vale também vale para o crime organizado legalizado, estatal ou enrustido no Estado. De tal que mesmo se higienizasse toda a máquina estatal, geradora de privilégios e desigualdade de poderes usados como armas por esses criminosos que são ou compram autoridades, ainda estaria lá, a disposição para os criminosos que entendem que o mais perfeito de todos os crimes é aquele que é cometido no poder que se eterniza não como governo, mas como justiça e legalidade. O poder que discrimina e marginaliza cidadão comuns perante prerrogativa de autoridades muito antes se tornarem marginais comuns ou donos da lei.

Não adianta eliminar nem o desposta, nem implodir o trono, que ele usa e se a agarra para cometer impunemente seus crimes, cometendo ainda mais crimes para se manter no trono, e mantendo-se no trono para cometer ainda mais crimes. Não. não, adianta, acabar como o Estado, nem com seus agentes, cargos ou instituições. Porque assim como não são os povos a criar os Estados; também não são os Estados a criar as sociedades. Mas são sociedades a criar os Estados. E as criam para administrar seus interesses tanto sobre suas terras quanto os povos que por sua vez são a base de sustentação de ambos: da sociedade e Estado.

Podem as burguesias prender e enforcar todos os tiranos e suas cortes corruptas do mundo. Podem até mesmo as plebes se levantarem contra tudo e todos, e enforcar até o último dos ladrões legalizados nas tripas do ultimo juiz inquisidor. Poderiam burguesia e plebe juntas novamente derrubar palácios, tronos, queimar cetros, togas, quarteis e bancos que ainda sim veríamos a história se repetir, e o mal renascer ainda mais forte e rejuvenescido de dentro do ventre destes que outrora lutaram contra seus antigos encarnadores.

E um dia que uma vanguarda eliminar todos os corruptos… no outro, começara a criar o regime a administrar de suas posses e interesses perante os demais. E essa administração se chamará governo, os demais povo e eles, a sociedade. Até porque as sociedades revolucionárias de ontem, são as conservadores de hoje. E não há vanguardas da esperança e progresso que não envelheça e morra como velha guarda, amargurada e reacionária. Minto, até há, mas em geral ela acaba assassinada jovem.

Não que o problema seja insolúvel ou esse mal invencível. Mas é que nada disso é a causa, e sim a consequência. — O ciclo da tirania governamental, insolidariedade social e pobreza dos povos

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Mané coxinha e mortadela… o buraco é muito mais em baixo, ou melhor, em cima…

A FRAUDE QUE WALL STREET APRENDEU COM A MÁFIA

Um dia, este vai ser conhecido na história como o primeiro julgamento da máfia americana moderna. É claro, você não vai ouvir referências sobre o recente caso de corrupção financeira “Estados Unidos da América contra Carollo, Goldberg e Grimm” com esses termos. Se você ouviu falar, você provavelmente está no negócio de títulos municipais ou é casado com um advogado antitruste. Mesmo assim, tudo que você provavelmente ouviu foi que um trio de coadjuvantes em Wall Street foi condenado por obscuras violações antitruste em um dos casos mais inescrutáveis, cheio de jargões técnicos e tediosos debates legais desde o processo do governo contra a Microsoft na década de noventa — não exatamente o emocionante drama de tribunal oferecido pelos famosos julgamentos de mafiosos da velha guarda, como Al Capone ou Anthony “Tony Ducks” Corallo.

Mas este julgamento, recém concluído em Nova Iorque contra três desconhecidos executivos financeiros, foi realmente histórico. Em elaboração por mais de 10 anos, o caso permitiu que procuradores federais tornassem públicos, pela primeira vez, os surpreendentes trabalhos do sindicato do crime americano, que já não opera a partir de Little Italy* ou de Las Vegas, mas sim de Wall Street.

Os réus no caso — Dominick Carollo, Steven Goldberg e Peter Grimm — trabalharam para a GE Capital, o braço financeiro da General Electric. Junto com praticamente todos os grandes bancos e companhias de finanças em Wall Street — não apenas a GE, mas JP Morgan Chase, Bank of America, UBS, Lehman Brothers, Bear Stearns, Wachovia e outros — estes três mafiosos de Wall Street passaram a última década participando de um esquema de tirar o fôlego, que desviou bilhões de dólares dos cofres de cidades por toda a América. Os bancos realizaram esta gigantesca rapinagem atuando secretamente — e em conjunto — para fraudar as licitações públicas dos títulos municipais, um negócio avaliado em 3,7 trilhões de dólares. Ao conspirar para reduzir as taxas de juros que as cidades ganham sobre seus investimentos, os bancos sistematicamente roubaram de escolas, hospitais, bibliotecas e casas de repouso — de “praticamente todos os Estados, distritos, e territórios nos Estados Unidos”, de acordo com uma sentença. E eles fizeram isso de forma tão inteligente que as vítimas sequer souberam que estavam sendo enganadas. Não houve dedões quebrados, e ninguém acabou em um aterro sanitário em New Jersey, mas dinheiro desapareceu, muito dinheiro, e a sua forma de desaparecimento tem um nome familiar: crime organizado.

Na verdade, apesar de toda a camuflagem com jargões financeiros, os crimes que os acusados e seus co-conspiradores cometeram são praticamente indistinguíveis da espécie de banditismo praticado por décadas pela máfia, que por muito tempo teve a manipulação de licitações públicas, como coletas de lixo ou contratos de construção, como fundamento de seu negócio. E, ainda, assim como nos julgamentos da máfia de antigamente, os segredos e maquinações de Wall Street foram revelados durante o julgamento Carollo, através da escuta de gravações e de depoimentos das testemunhas colaboradoras, que entraram no tribunal com a cabeça baixa, apontando o dedo para seus cúmplices. Os gangsters da nova era até inventaram um sofisticado código para esconder seus crimes. Como mafiosos italianos que falavam sobre “arrumar um rapaz para riscar o capô”, em diversas escutas, estes vigaristas de Wall Street soltavam frases como “tire um níquel” ou “chegar ao nível certo” ou “você está por pouco” — todas estas códigos utilizados para manipular as taxas de juros sobre os títulos municipais. A única coisa que fez este julgamento diferente de um julgamento popular qualquer foi a escala do crime.

EUA versus Carollo envolveu atividades clássicas de um cartel: não apenas um banco corrupto, mas muitos, todos atuando em um cuidadoso concerto contra o interesse público. Nos anos que se passaram desde o crash econômico de 2008, temos visto inúmeras pistas indicando a existência dessa orquestrada rede de corrupção. O colapso dos bancos Bear Stearns e Lehman Brothers, por exemplo, indica que em ambos os casos houve ataques coordenados por poderosos bancos e fundos de hedge, determinados a acelerar o desaparecimento dessas empresas. Na falência de Jefferson County, no Alabama, aprendemos que o Goldman Sachs aceitou um suborno de US $ 3 milhões do JP Morgan Chase para permitir que Chase fosse o único fornecedor de acordos de swap prejudiciais para os caipiras que controlavam a metropolitana Birmingham — um “caso de comportamento anticompetitivo do tipo abre e fecha”, como um regulador anterior o descreveu.

Mais recentemente, uma grande investigação internacional foi lançada para averiguar a manipulação da taxa Libor, o índice de empréstimos interbancários que é usado para calcular as taxas de juros globais para produtos que valem mais de US $ 3 trilhões por ano. Se e quando esse caso for apresentado ao público durante o julgamento — há diversas grandes ações cíveis em trâmite nos EUA — ainda poderemos descobrir que os bancos mais poderosos do mundo têm, há anos, fixado os preços de quase todos os tipos de taxas ajustáveis, de hipotecas e cartões de crédito a taxas de juros, e até mesmo moedas.

Mas USA vs Carollo marca a primeira vez que tivemos evidências incontestáveis de que Wall Street se transformou neste tipo de cartel criminal. Também propiciou uma desagradável visão do papel cínico e permissionista que os políticos desempenharam, recebendo tíquetes para jogos de futebol e envelopes recheados com propinas para olharem para o outro lado, enquanto gangsters faziam a festa com dinheiro público. E apesar das punições que chegaram até a última instância — mera condenação de três coadjuvantes — serem sabidamente insatisfatórias, ainda assim foi um divisor de águas na história do lento despertar americano para as realidades da corrupção financeira. Numa era pós crash, onde os julgamentos de Wall Street quase nunca chegavam à corte suprema, e até as sentenças mais duras acabavam com as evidências enterradas pelo governo e os bancos acusados escapavam sem admitir as práticas ilegais, neste caso finalmente foram expostas as terríveis verdades das finanças americanas — e foi um show demoníaco.

1. A fraude

Esta não foi uma cena cinematográfica de tribunal, ou como o julgamento do Estado da Califórnia contra Orenthal James Simpson. Não havia um saguão cheio de espectadores extasiados, com ventiladores de teto para afastar o calor e a tensão, nem advogados de defesa repousando suas mãos compreensivas sob o ombro do acusado enquanto as declarações se iniciam. Não, a sentença para EUA versus Carollo reflete o bizarro universo alternativo que existe em Wall Street. Como tantos outros casos envolvendo grandes bancos, os procedimentos se pareciam mais com uma sala cheia de advogados bem remunerados negociando uma grande fusão corporativa do que uma busca pública por justiça.

O julgamento começou em 16 de abril em uma corte federal na parte baixa de Manhattan. O tribunal, no 23º andar, oferece uma vista panorâmica da cidade e do East River. Embora o saguão estivesse geralmente cheio ao longo das três semanas de testemunhos, os espectadores não eram os cidadãos comuns que viriam para testemunhar como eles haviam sido roubados pelos maiores bancos da América. Ao invés disto, havia fileiras e mais fileiras de engravatados — outros advogados ansiosos por observar um caso há muito aguardado, um caso que poderia influenciar o resultado de muitas ações cíveis pendentes em todo o país. Na verdade, os próprios réus, que o julgamento iria revelar serem peças facilmente substituíveis em uma enorme máquina de corrupção, mal podiam ser vistos na sala, escondidos pelo grande bate papo dos advogados de acusação e de defesa.

Apenas a presença majoritária de não brancos e idosos no júri, lembrando uma igreja do Harlem, serviu como um lembrete de que o caso tinha qualquer conexão com o mundo real. Até mesmo os repórteres das grandes redes de notícias não se deram ao trabalho de comparecer. O juiz do julgamento, o honorável e divertidamente inabalável Harold Baer, reconheceu que o caso não era suscetível de despertar interesse público. “É improvável, eu acho, que isso gere muita publicidade na mídia”, Baer confessou ao júri em suas instruções preliminares.

Iniciadas as declarações de abertura, era fácil ver por que a imprensa poderia se manter afastada. Uma das principais linhas de defesa adotadas pelas instituições corruptas de Wall Street nos últimos anos tem sido a extrema complexidade da infra-estrutura dentro da qual esses crimes são cometidos. Para que os promotores possam conseguir condenações, eles têm que trazer americanos comuns, pessoas que assistem e gostam de reality shows, até o topo dos gráficos, ensinando-os no modelo de jogo que se preocupa com obscuros veículos financeiros como swaps e CDOs e, neste caso, Contratos de Investimento Garantido.(…)

A “simples fraude” que Waszmer descreveu estava centrada no endividamento público. Digamos que sua cidade queira construir uma nova escola primária. Então ela vai para Wall Street, que emite um título em nome da sua cidade para levantar US$ 100 milhões, atraindo dinheiro de investidores de todo o planeta. Uma vez que Wall Street levanta todo esse dinheiro, coloca-o numa conta isenta de impostos, que sua cidade usa para pagar os construtores, encanadores, a empresa que fornece o quadro-negro e quem mais estiver trabalhando no projeto.

Mas aqui está a pegadinha: A maioria das cidades, quando obtém todo esse dinheiro, não gasta tudo de uma só vez. Frequentemente os projetos de construção levam anos até serem concluídos, e o contratado acaba sendo pago muito tempo depois que o título original foi emitido. Enquanto esse dinheiro não gasto está depositado na conta da cidade, políticos locais procuram por uma companhia financeira em Wall Street para investi-lo por eles.

Para fazer isso, representantes do governo contratam uma empresa intermediária, conhecida como corretora, para organizar um leilão público e convidar bancos para competir pelos negócios da cidade. Pelos US$ 100 milhões que você emprestou para o título da escola primária, o banco A pode lhe oferecer 5 por cento de juros. O banco B vai além e oferece 5,25 por cento. Mas o banco C, o vencedor do leilão, oferece 5,5%.

Na maior parte dos casos, cidades e vilas, chamados emitentes, estão legalmente obrigados a apresentar seus títulos para um leilão com disputa de pelo menos três bancos, chamados de emissores. A fraude que Wall Street preparou para bater esse sistema de mercado justo foi desenvolver leilões falsos. Em vez de apresentar propostas competitivas e deixar a taxa mais elevada ganhar o leilão, emissores como Chase, Bank of America e GE secretamente dividiram o negócio de todas as diferentes cidades que vieram para Wall Street para pedir dinheiro emprestado. A uma das empresas seria permitido “ganhar” o lance em uma escola primária, a segunda “ganharia” um hospital, a terceira uma pista de hóquei, e assim por diante.

Como eles trapaceavam os leilões? Simples: subornando os leiloeiros, os corretores intermediários que eram contratados para garantir que a cidade recebesse a melhor taxa de juros que o mercado pudesse oferecer. Em vez de manter os leilões honestos, ou seja, sem que nenhuma das partes soubesse os lances das outras, o corretor dizia ao pré-estabelecido “vencedor” quais foram as outras duas propostas, permitindo que o banco baixasse a sua oferta de taxa para um valor apenas suficiente para “bater” os seus supostos concorrentes. Este truque simples, mas eficaz — dizer ao vencedor o que seus rivais ofertaram — foi chamado de dar-lhes uma “última olhada”. O banco vencedor, então, premia o corretor, dando-lhe propinas disfarçadas de “taxas” por acordos de swap, acordos estes que não tiveram nenhum envolvimento por parte dos corretores.

O resultado final desta (no mínimo) década de conspiração foi que as cidades sistematicamente perderam, enquanto os bancos e corretoras ganharam muito. Ao cortar pequenas frações percentuais de suas ofertas vencedoras, os bancos embolsaram somas inacreditáveis ao longo desses acordos multimilionários de títulos. Baixando uma oferta em apenas um centésimo percentual, o chamado ponto base, pôde-se enganar cidades em dezenas de milhares de dolares, que elas teriam ganhado em seus depósitos de títulos.(…)

A corrupção em contratos está por aí desde a construção da Via Ápia [NT: mais antiga e importante estrada romana da antiga república]. A diferença aqui é o escopo quase inimaginável do crime — e o fato de que foram mafiosos de Wall Street que o colocaram na prática. Até recentemente, este tipo de atividade havia sido quase uma exclusividade dos domínos da Máfia. “Quando eu penso em manipulação de ofertas em leilões, eu penso na convergência do crime organizado e o governo”, diz Eliot Spitzer, que participou de dois casos de fraudes em leilões em sua carreira como promotor em Nova Iorque, um envolvendo coleta pública de lixo e o outro no bairro de Garment, envolvendo a família Gambino. A máfia se mudou para o negócio das fraudes em leilões, ele diz, porque percebeu ao longo dos tempos que monopolizar contratos públicos era um negócio muito mais lucrativo do que sair quebrando pernas por aí. “O crime organizado aprendeu suas lições com John D. Rockefeller”, explica Spitzer. “É muito mais eficiente controlar um mercado e incrementar seu preço em dez por cento do que gerir uma agiotagem nas ruas, onde você realmente tem que usar um taco de beisebol e coletar todas as semanas”.(…)

O Brexit e o Reino Unido como paraíso fiscal

euronews: O facto de não verem o que está a acontecer é o reflexo de uma certa necessidade desse dinheiro ilegal na economia? Menciona o dinheiro que é lavado e que circula pela economia, atingindo valores astronómicos… Acha que os líderes políticos receiam que, se esse dinheiro desaparecer num período de estagnação económica, haja um colapso?

RS: Sim, é claro. Uma das razões é que implementar leis contra a lavagem de dinheiro vai bloquear também muito dinheiro não apenas do narcotráfico, mas também do Médio Oriente, da evasão fiscal. Se a legislação muda para tornar o sistema impermeável aos mafiosos, ele fica também impermeável a outros capitais necessários à economia. Deste ponto de vista, a Europa já desistiu de tentar controlar realmente o capital. O Brexit é um exemplo: foi algo que se alimentou da necessidade de tornar a Inglaterra num paraíso fiscal.

euronews: De que forma é que o Brexit pode tornar, ou tornar de novo, o Reino Unido num paraíso fiscal? Como é que vê o futuro deste país no que toca às atividades ilegais, à lavagem de dinheiro?

RS: Os grupos de defesa da transparência apresentam dados irrefutáveis: o Reino Unido já é, sem qualquer sombra de dúvida, o país mais corrupto do mundo. Não em termos políticos ou judiciais, mas sim no que diz respeito à lavagem de dinheiro. Os britânicos não têm a sensação de viver no país mais corrupto do mundo porque não veem subornos à polícia, os políticos não são facilmente corruptíveis. Mas também não têm a noção que o seu sistema financeiro é totalmente corrupto. Corrupto em que sentido? Ninguém controla a circulação de dinheiro. E não falo de Londres, falo de Malta, Gibraltar, das Ilhas Jersey… Todos estes pontos são portas para fazer entrar dinheiro na Grã-Bretanha sem qualquer controlo. O Panamá costumava ser o centro nevrálgico da lavagem de dinheiro. Hoje em dia, é Londres. E o Panamá vingou-se com a história dos Panama Papers. Divulgar as listas de nomes foi claramente uma vingança contra o concorrente que Londres se tornou.

euronews: Um relatório recente da Europol revela como os grupos mafiosos mergulharam no mundo da tecnologia para se ocultarem e contornarem as autoridades. Está a tornar-se quase impossível apanhar estes grupos?

RS: Se houvesse uma verdadeira legislação contra a lavagem de dinheiro… Hoje em dia, é muito mais fácil seguir o percurso do dinheiro porque já não lidamos com notas, fazemos transações eletrónicas que deixam rasto na web. O problema é que há vários territórios onde essas transações podem ser efetuadas fazendo desaparecer o dinheiro. Todos os Estados europeus têm o seu próprio cofre: a Espanha tem Andorra, a Alemanha tem o Liechtenstein, a França tem o Luxemburgo e toda a gente tem a Suíça. É muito fácil esconder dinheiro na Europa. Antes, os bancos europeus tinham medo de aceitar dinheiro da Máfia, nos anos 80 e 90. Hoje em dia, são os bancos europeus que procuram o dinheiro mafioso, porque lhes falta liquidez e porque a crise económica colocou o sistema bancário de joelhos. Os bancos têm as defesas imunitárias em baixo e a Máfia consegue entrar. É um fenómeno relativamente novo, começou a meio dos anos 2000. A Máfia costumava ter dificuldades em lavar o dinheiro nos bancos europeus, recorriam a offshores da América do Sul ou da Ásia. Agora conseguiu integrar-se completamente na economia legal.

euronews: São acusações muito fortes. Costuma provocar reações a nível político ou sente que é ignorado?

RS: As reações são quotidianas. Nunca sou bem-vindo nos países que visito. Costumam dizer-me: ‘esse é um problema italiano, fala do teu país’. Normalmente, acusam-me de exagerar, de inventar, de repetir aquilo que já se sabe. E é aqui que isto faz curto-circuito: tudo aquilo de que temos falado não está oculto. Simplesmente, ninguém lhe presta atenção. Nos últimos tempos, mais do que nunca, a atenção concentra-se no terrorismo. Por isso, o dinheiro da Máfia tem espaço para circular por onde quiser.

A rentabilidade em torno dos refugiados

euronews: Os relatórios mostram que o crime na Europa está a explorar a crise dos refugiados. Supostamente, o tráfico de pessoas tornou-se num dos crimes mais rentáveis. É assim que vê este contexto?

RS: Todos os barcos que atravessam o Mediterrâneo são geridos pelos cartéis. Mas não pelos cartéis italianos, como toda a gente pensa. A Máfia não tem uma palavra a dizer neste domínio. São grupos turcos, líbios, libaneses que há muito investem no tráfico de seres humanos. E a Europa não faz a mínima ideia do que é esta dinâmica. Os cartéis que geriram a chegada dos sírios à Europa pertencem à máfia turca, a mesma que gere a heroína que vem do Afeganistão. O Daesh, por exemplo, o Estado Islâmico, possui três fontes primárias de rendimentos assentes em atividades criminosas: a extorsão, o contrabando de petróleo e o contrabando de arte. Em quarto lugar vem a droga: o Captagon, que é uma metanfetamina, ou a marijuana, que o Daesh cultiva na Albânia. Se quisermos não perceber realmente a situação, adotamos uma leitura superficial, que consiste em falar no choque de civilizações. Ou então reconhecemos que isto se trata de um embate entre grupos criminosos. (…) -Roberto Saviano: “São os bancos europeus que procuram o dinheiro mafioso”

Yes, eles também tem banana. Ou trocando em miúdos não há casa de ferreiro que o espeto não seja de pau…

Na série de documentos vazada nesta quinta-feira pelo jornal britânico The Guardian está um comunicado da embaixada dos EUA em Madri. A mensagem enviada a Washington revela que, em janeiro de 2010, o promotor espanhol Jose “Pepe” Grinda González afirmou que Rússia, Bielorrússia e Chechênia haviam se tornado na prática “Estados mafiosos”, onde “não se pode diferenciar atividades do governo e de grupos de OC (sigla em inglês para crime organizado)”.

Grinda diz ainda ter informações de que alguns partidos políticos russos operam “de mãos dadas” com o crime organizado. Ele afirma também que o aparato do governo em Moscou — em particular serviços de segurança — tinham ligações próximas com a máfia. O promotor é conhecido por ter liderado uma longa investigação sobre o crime organizado na Espanha, que levou a mais de 60 prisões.

Putin

Outro dos documentos vazados fala sobre “a pergunta sem resposta” sobre o quanto Putin estaria envolvido com a Máfia, e o quanto ele controlaria as ações do crime organizado russo.

Entre as mensagens diplomáticas vazadas está ainda um relatório do embaixador americano na Rússia John Beyrle sobre a corrupção em Moscou.

“Elementos criminosos se beneficiam de uma krysha (rede de proteção e extorsão) que permeia a polícia, o serviço de segurança federal, o ministério do interior e o escritório da procuradoria, assim como na burocracia do governo da cidade de Moscou”, diz Beyrle.

Em outra mensagem, enviada em fevereiro deste ano, o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, diz que “a democracia russa desapareceu”.

O premiê russo respondeu a essa afirmação em entrevista à CNN na quarta-feira, dizendo que Gates estava “profundamente equivocado”.

Ex-espião

O promotor espanhol afirma também que o ex-espião russo Alexander Litvninenko, morto por envenenamento em Londres em 2006, acreditava que o serviço de Inteligência russo controlava o crime organizado no país — hipótese que Grinda corrobora.

De acordo com os documentos, Washington dizia que eram grandes as possibilidade de Putin ter sido informado sobre a operação para assassinar Litvinenko em Londres. O Kremlin nega qualquer envolvimento.

O Wikileaks também divulgou uma mensagem enviada aos EUA pela embaixada americana em Kiev, Ucrânia, em dezembro de 2008, que revela que um empresário ucraniano com ligações com a estatal russa Gazprom afirmou ao embaixador dos EUA ter ligações com o crime organizado.

Ele disse que precisava de apoio de um mafioso chamado Semyon Mogilevich para abrir um negócio. Forças de segurança dos EUA e da Europa acreditam que Mogilevich seja o “chefe dos chefes” da maior parte dos grupos mafiosos russos. (…) Rússia é chamada de ‘Estado mafioso’ em documento vazado pelo Wikileaks

Não, não foi só Sinatra

Nota: (sobre Sinatra, mas não só ele…)

(…) Os biógrafos de Sinatra associam o renascimento do cantor nos anos 1950 novamente à intervenção da Máfia, que não apenas assegurou a ele um dos principais papéis no filme A Um Passo da Eternidade (1953) como teria garantido o fim das obrigações contratuais com a orquestra de Tommy Dorsey. Esse episódio, aliás, teria inspirado Mario Puzo a criar, no capítulo de abertura de O Poderoso Chefão, o cantor protegido da Máfia (Johnny Fontane), que pede ajuda a Corleone para se livrar do contrato com o bandleader Halley. O “padrinho” manda seus homens atrás do maestro Halley (leia-se Dorsey, segundo recomendam os biógrafos) e tudo se resolve com uma ameaça de morte.

Surpreende, portanto, que um homem assim tão ligado a contraventores tenha se unido à cruzada de Martin Luther King, nos anos 1960, cantando e levantando dinheiro para a causa dos direitos civis dos negros. Ou que, militando na frente popular da esquerda americana nos anos 1930 e perseguido pelo poderoso Hoover (o chefão do FBI), tenha dado uma guinada à direita e apoiado depois presidentes desonestos como Nixon. (…) -Biografia de Frank Sinatra associa cantor à máfia

Surpreende?

E outras notas:

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Marcus Brancaglione

X-Textos: Não recomendado para menores de idade e adultos com baixa tolerância a contrariedade, críticas e decepções de expectativas. Contém spoilers da vida.