Novos paradigmas libertários

Marcus Brancaglione
8 min readOct 2, 2016

Não dá.

Não adianta mais achar que vai pagar de bonito, só se posicionando no velho espectro da direita e esquerda. O mundo não é mais linear, nem sequer plano. Sua complexidade nunca coube nos planos cartesianos, nem mesmo de diagramas libertários como o de Nolan, que aliás, diga-se de passagem, já está a ficar ultrapassado antes mesmo de os termos estudado, entendido e aplicado como e quando deveriamos.

A realidade sempre foi dinâmica, mas agora suas transformações se movem a velocidade da luz, da informação. Cada fotografia do mundo não é só imediatamente ultrapassada, ela é incompleta, porque não capta os fenômenos, nem mesmos os materiais, pois até estes são cada vez mais imediatamente constítuidos da sua essencial invisíveis: movimento puro.

E não é só o velho eixo da direita e esquerda que não comporta nem explica o contemporâneo. Nem mesmo com o auxilio das teorias libertárias as posições politicas em tese correspondem ao real. Logo isso não quer dizer que essas diferenças de espectro tenham desaparecido ou não existam. Quer dizer que falta determinantes ao modelo de pensamento.

Teóricos Libertários ao adicionar em seus planos de visão as coordenadas do eixo “libertarismo versus autoritarismo” aumentaram a sua compreensão da realidade, conseguindo entender melhor as reais posições e movimentos dos players políticos e econômicos. Esse modelo de pensamento graficamente representado pelo Diagrama de Nolan ajudou muito, mas mesmo com esse método, a realidade continua a escapar dessas fotografias, especialmente como projeção e previsão- seja para a conservação seja para transformação do mundo.

Nenhum modelo plano compreende a complexidade da realidade cada vez mais multidimensionada e dinâmica. Mas podemos melhorar um pouco. Adicionando um pouco de tridimensionalidade a nossa visão. Adicionando mais um eixo que confira a esta representação espacial capacidade de interação em tempo real com eventos que alteram constantemente a posição politico-econômica dos players analisados ao longo da sua trajetória.

Pode colocar então aí nesses diagrama de representação do espetro politico-econômico um terceiro plano: o da ética, o eixo prático-teórico. Capaz de definir em que grau os posicionamentos são reais ou meramente virtuais, falsos ou demagógicos. Porque para se definir e afirmar o eu e compreender o outro não basta apenas ser libertário, ou autoritário, de esquerda ou direita, há ainda que se posicionar concretamente e aferir constantemente o quanto esses discursos e ideários estão manifestos e consonantes com as requeridas práticas.

Contudo, o eixo da ética teórico-pratica é fundamental não apenas para separar os demagogos dos ativistas; as falsificações ideológicas das realizações. Não é um eixo que se presta a julgamentos de moralidade, mas sim que permite não só ajustar as posições ideológicas quanto determinar o potencial e tendencia de ação destrutiva ou construtiva do player a partir deste complexo.

Serve por exemplo para a identificação se aqueles que estão dentro do especto do discursos autoritários, a direita ou esquerda, estão mesmo seriamente planejando colocar em prática seus propostas de segregação, ódio e dominação, ou se apenas usam destes expediente para manter sua posição politica e econômica como propaganda de massas. Da mesma forma serve para a verificação se aqueles que pregam o discurso oposto estão de fato agindo para defendê-lo ou realiza-lo, ou pelo contrário, na prática estão apenas o usando para acobertar movimentos outros e opostos, ou só buscando manter o status quo com eternas promessas de paraísos imaginários.

Mas porque não ignorar as teses e os ideias e ficar apenas com a observação da prática então? Porque assim como o que determina a veracidade do ideal é a prática, o que determina a veracidade da ação é o ideal. Ou numa alegoria o que difere uma pedra voando de uma pássaro é que quanto ao pássaro não precisamos procurar quem o jogou para o alto, a pedra sim. Sem a observância dos ideias que movem as ações não conhecemos as forças, mas apenas os fenômenos como momentum e superficialidade. Assim como do outro lado, sem a observância do movimento perceptível destas forças não reconhecemos suas direções e tendências futuras.

Não conseguiremos prever o que as lideranças do mundo vão realmente fazer, não vamos conseguir identificar suas verdadeiras posição e tendencias se não incluirmos a observação das suas ações no modelo que define quem eles são, ou pretendem se afirmar como tal, no modelo que identifica a veracidade do seu ideário, onde ela é de fato verificada: na prática.

Para não nos alarmarmos ou reagirmos desproporcionalmente, ou permitimos a banalização do que não deveríamos. Para não aceitarmos ataques preventivos contra aquilo que não passa de discurso, ou por outro lado ignorarmos perigos iminentes porque eles estão embrulhados nas teses mais corretas. Para tanto contamos apenas com o bom senso e a intuição, quando precisamos de métodos e ferramentas conceituais para ver o que há dentro das caixas de pandora sem abri-las.

Quando colocamos por exemplo dentro desse novo modelo, o discurso de um humorista racista vemos que ele não será jamais mais perigoso que um estadista, a menos que ele não seja um humorista e sim um psicótico a estocando armas em casa ou tentando montar um exercito de fieis para fazer da suas palavras mais do que um piada de mal gosto. Assim como podemos ver que um cidadão rancoroso e racista não é uma ameaça da dimensão que pode representar, por exemplo, o mais politicamente correto dos políticos de esquerda ou direita, que mesmo sem ser flagrantemente autoritário, possui os poderes e recursos que o torna potencialmente perigoso, quando não está buscando aumentar ainda mais tamanho poder.

De fato a aferição da prática permite não apenas a requalificação, mas a quantificação das supostas qualidades. Isso é fundamental não apenas para podermos descartar aqueles as teses que não saíram apenas dos discursos, seja como ameaça seja como promessa, mas para nos prevenirmos das verdadeiras as ameaças, separando-as dos engôdos, bravatas e promessas; enfim separando o ruido e desinformação, dos dados e informações.

Na realidade todo mundo que lida com problemas reais usa intuitivamente essa noção. O tempo todo temos que distinguir as ameaças das bravatas, e as falsas promessas das reais intenções. Mas isso é facilmente embaralhado não apenas pela complexidade da sociedade da informação, mas justamente pela falta de modelos para lidar com a complexidade desta realidade extremamente caracterizada (e influenciada) pela superficialidade e aparências. De fato nestas circunstancias dá no mesmo esperar acontecer pra ver se a tese é verdadeira ou falsa. Ou apenas observar os fatos e fenômenos para então formular as teses. Nos dois casos só conheceremos aquilo que já tiver caído na nossa cabeça.

Entretanto o problema com as teorias, ou mais precisamente com a superação dos paradigmas exclusivamente teoréticos é que os intelectuais e a intelectualidade constituem na pratica ainda que incônscios e inconsciente a mais corporativistas de todas as corporações. Eles podem admitir a experiencia como verificação das teses, mas jamais a priori o método empírico como o fator determinante a própria formulação das suas hipóteses. Que o digam os físicos experimentais.

Usamos os fatos meramente como prova de que certas proposições e definições são corretas ou falsas. Porém se queremos prever tendenciar de acontecimentos não podemos apenas ficar aferindo a coerência das teses a posteriori, precisamos construir a priori e constantemente projeções que incorporem essa observância a definição do objetos em movimento- mesmo que esse processo altere a própria tese e o paradigma. O progresso do conhecimento não pode depender de saltos revolucionários. Ele não deve ser uma arcabouço preconceptivo que oferece resistência ao novo, mas um sistema capaz de ajustar-se e compreender a atualidade constantemente, o que quer dizer, que deve acompanhar constantemente as evoluções e revoluções da realidade.

Assim proponho que o plano da práxis na visão política-econômica não esteja mais separado dos outros planos teóricos, mas integrados nesta projeção teorética. O potencial construtivo ou destrutivo de qualquer posicionamento ideológico assim como o potencial de idealização construtiva-destrutiva de qualquer ação só é melhor compreendido e eventualmente previsto pelo cruzamento dos eixo dos três planos:

direita-esquerda, que foca basicamente o valor da igualdades;

autoritário-libertário, que foca as liberdades;

e o prático-teórico, que foca na veracidade-falsidade ideológica.

Esse 3 eixo da práxis portanto não observa apenas a coerência, mas a correspondência entre o ideário e a ação. Ou seja verifica se o posicionamento ideológico é: meramente virtual-demagógico, propaganda; ou se é um movimento com potencial concreto, projeto. Onde o discurso e a propaganda são na verdade apenas uma peça da estratégia.

A observância do eixo da práxis permite portanto ajustar as posições ideológicas dos player, e identificar as tendencias e mudanças constantes destes dentro do espectro político-econômico. Porém não sozinha. É somente através do cruzamento dos três eixos que se revela a posição real deste player que tem as projeções e movimentos estratégicos revelados pela interpretação integrada da sua ideologia em relação a práxis.

Numa sociedade cada vez mais informatizada, onde a informação tem cada vez mais predominância sobre a ação. Esse eixo de verificação ética, isto é, dos princípios praticados, é de suma importância para não termos nosso valor humano, conhecimento e poder de tomada de decisão reduzidos ao abstrato da informação, desinformação e conformação ideológica.

Quero lembram contudo que a inclusão desse eixo não faz do diagrama sequer um mapa, continua sendo uma mera fotografia. O cognoscível e previsível dependem muito mais da nossa consciência dos limites dos horizontes de eventos epistemológicos e a indeterminância inerente do fenômenos como concepção transcendental do que dos planos simbólicos que conseguimos conceber. Mas deixa isso pra lá. Bota aí, o eixo da ética que tá valendo. Porque os fascistas estão voltando com tudo.

Não. Não vou ficar fazendo guias ou descrevendo métodos de investigações empíricas pertinentes para a quantificação de um determinado objeto no plano ético. Isso é perfeitamente dedutível a partir do momento que simplesmente se traz o plano da práxis para a concepção teórica. Afora que não há um único método possível. Prefiro mostrar um exemplo do que se pode fazer com isso. E é mais fácil de entender o que eu estou querendo dizer para quem não entendeu nada dessa porra de artigo hermético. Segue portanto um exemplo de estudo que se vale deste paradigma para produzir algo com interesse, digamos, um pouco mais concretos:

PS: Você também vai encontrar muita coisa nas publicações relacionados a nossa experiencia de Renda Básica. Porém, nelas esse conceito foi aplicado de forma bem mais intuitivo. É mais uma prova de como a experiência gera a demanda e origina novos paradigmas e teses, e não necessariamente o contrário, a confirmar ou negar os pressupostos. Não é portanto um estudo de aplicação dessa visão, mas a narrativa da experiência de como chegamos a ideias e propostas como esta, e outras bem mais importantes.

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Marcus Brancaglione

X-Textos: Não recomendado para menores de idade e adultos com baixa tolerância a contrariedade, críticas e decepções de expectativas. Contém spoilers da vida.