Do que é necessário para ser um político profissional… de sucesso

Ou o Ethos do Estadismo

Marcus Brancaglione
12 min readAug 6, 2018

Uma das coisas que ainda mais me impressiona em relação a política partidária não são os infinitos golpes, traições, mas a quantidade de gente que ainda cai nesses golpes. E não estou falando aqui das massas de manobra populares, que do pão bolorento só conhecem a bela viola, a embalagem do marketing e propaganda eleitoral. Nem tão pouco das pessoas que não conhecem as estruturas do sistema político-partidário, candidatos a políticos neófitos que ainda acreditam sinceramente que basta honestidade para mudar o sistema ao invés de ser engolido por ele. Estou falando das raposas velhas, tanto da própria profissão política representativa quanto do jornalismo especializado que cobre essa podridão do reino, e que supostamente deveriam estar mais preparados para antever e lidar com o comportamento das lideranças políticas profissionais.

Evidente que para não cair no mesmo erro que estou apontando não estou supondo que entre essas raposas velhas, haja ingênuos. Muito pelo contrário sei que a chance não terem o rabo preso é sempre inversamente proporcional ao tempo que permanecem nesse meio. Mas o rabo preso não explica, não sozinho como esses profissionais supostamente preparados para lidar com as artimanhas e esquemas desse meio, engolem de anzol e linha e caem nas mesmas velhas armadilhas de sempre.

Assistam as entrevistas com Bolsonaro na Cultura e na Globo, e vejam como a imprensa mainstream não aprendeu nada com o case da campanha de Trump. Como eles não tem o mínimo preparo retórico para lidar com o discurso anti-stabilisment. E como infantilmente tentam derrubar Bolsonaro colocando pechas politicamente incorretas das quais ele não se envergonha, mas ostenta com orgulho, e pateticamente acabam por servir de escada para o discurso de Bolsonaro. Parte do pressuposto que a audiência ainda é homogêneo como nos “bons tempos” em que o oligopólios televisivos tinham o monopólio cultural da formação de opinião. Não sabem como dar corda para narcisistas se enforcarem, fixados não só nos seus valores, mas na sua agenda e pergunta prontas deixam passar pérolas. Mas o jornalistas políticos, salvo exceções não são nem foram políticos profissionais. E embora não seja o que se espera é compreensível sejam engolidos.

O que não é tão fácil assim de entender e explicar é como políticos experientes inclusive os gargantas como Ciro Gomes, que disse que não era nenhuma neófita como a Dilma ainda tomam rasteira de seus pares e comparsas. Tolinhos eles não são e sabem que não são então a pergunta é como e porque caem nesses golpes?

Não que eu me interesse ou solidarize com as facadas que eles vivem a distribuir uns nas costas dos outros. Sinceramente, pouco me importa se as cobras vão acabar devorando umas as outras. Aliás, isso não é problema é solução. Mas interessa e avisar a quem ainda acredita em política partidária o perigo que é entrar nessa ninho, ou pior que desse ninho de cobras vai sair qualquer coisa que não seja veneno.

Para o cidadão comum que observa de fora a cena política, ela é apenas um ambiente de negociatas e corrupção e disputa de poder. Mas o político profissional sabe que para sobreviver nesse meio não basta apenas ter escrúpulos precários ou nenhum escrúpulo. é preciso ter certas habilidades inerentes ao exercício da profissão da representação política partidária. Habilidades que se ele não possui então é só a cara para o povo ver, o produto que serve de fachada, para aqueles que realmente são os atores políticos dentro das casas fazerem seus negócios e negociatas.

A sabedoria popular sabe não só intuitivamente mas por conhecimento de causa que a profissão de político e a do ladrão guardam similaridades evidentes. Mas assim como o ladrão de banco, o político não é um criminoso comum, mas sim altamente especializado. Especialização que exige habilidades que vão muito além da arte do roubo e furto armado com as prerrogativas e imunidades judiciais inerentes aos cargos de poder, ou a capacidade de mentir, trair ou fazer coisas piores descaradamente e sem remorso. A base da profissão da política representativa exige e envolve muito do do que corrupção, ela exige e envolve conhecimento e prática do estelionato e a falsificação ideológica tanto dentro dos limites da legalidade quanto nas sombras e fronteiras da zona cinzenta da ilegalidade.

O politico, o realmente profissional não é meramente um corrupto, ele é um estelionatário e falsificador ideológico. Não só no trato e manipulação da opinião do seu publico cativo e massas de manobra, mas de toda a opinião pública. E o mais importa e antes de tudo: de seus pares e correligionários. Ou seja, quando estamos falando de um políticos que atingiram a cúpula o comando de seus organizações, seja como campeões de voto, ou articulares de esquemas e negociações políticas, (ou as vezes dominando ambas as coisas), estamos falando de um expert na arte da manipulação de pessoas. Eles não é apenas um punguista capaz de enganar gente vulnerável e desesperada. Ele é o 171 especialista que ganha a vida antes de tudo dando golpe em outros 171. A elite dos estelionatários e falsários a trabalhar não só no limiar do legal e ilegal, mas na sua construção e distorção não só da legalidade e das normas, mas da normalidade e legalidade.

Isso responde a em parte da pergunta: Num universo onde esperto vive de comer esperto, há sempre um esperto maior, ou menor a espreita que não está dormindo pronto para cortar o pescoço de quem dormiu no ponto. Não é toa que eles próprios se refiram uns aos outros como animais políticos, os predadores conhecem e reconhecem a natureza uns dos outros, assim como das presas, só pelo cheiro e de olhar. Logo é matemático, num ambiente os todo mundo se acha mais esperto, mais raposa velha que todo mundo, é natural, ou melhor uma questão de seleção natural que os espertos acabem sendo devorados por sua própria (presunção) esperteza.

Dizem que não existem santos em política. Mas não se engane isso não quer dizer que eles são cidadãos comuns. Eles são profissionais. Especialistas em não só em fazer pacto entre diabos, mas de quebrar esses pactos. São não santos, são judas a passar a perna e enganar uns aos outros, para ver quem sobra para ficar e se passar por messias.

A elite da política, as lideranças, famiglias, e organizações que mantém seus feudos 10, 20, 30 anos, sobrevivendo por gerações a fio nesse de ambiente tóxico e hostil de “guerra feita com outros meios (ou nem tanto)”; quem sobrevive por tanto tempo nesse meio onde os acordo de paz e posições estratégicas são como efêmeros quanto as nuvens e amorfos quanto a moral e os princípios das partes e partidos políticos, nunca tomba porque é ingenuo ou otário, mas porque fica descuidado, se achando esperto demais para levar rasteira. Ou em outras palavras achando que está engando e levando no bico todo mundo, quando é ele que está sendo levado.

Tendo isso em conta fica a máxima que ouvi da boca de um político, e que quem observa e reporta a cena política deveria estar tão atentos quanto eles:

Meus maiores adversários não estão nos outros partidos, mas dentro do meu.

Ou traduzindo os piores inimigos, os mais perigosos capazes de causar maior dano para um político não estão no campo do adversário, mas dentro do seu. Porque o político não joga para o time, não joga para a coletividade. Ele joga para que o time, e a coletividade jogar para ele. Mais e quem não assim? Esse é o primeiro otário na lista para virar boi de piranha dos grandes predadores desse espetáculo. Vai rodar sem nem saber quem de fato o derrubou. E quem observa e conta a historinha idem, as vezes já no piloto automático do me engana que eu gosto.

Então vai a dica para quem não quem não quer cair nesse conto de quem subestima a capacidade de criar e se antecipar as armadilhas que os políticos fazem uns aos outros, especialmente na condição privilegiada de “aliados”. Não há aliados, e quanto apertado e longo e intimo é o abraço mais expostas ficam as costas, mais tempo e espaço eles tem para cravar uma faca nas costas um do outro sem que ninguém o veja. Quem não entende isso, não entende o que é política, e não entende porque não desconsidera a pisque não raro doentia de quem está envolvido e gosta de viver nesse meio. E não vai entender o xadrez político entre os aliados não só de uma mesmo campo “ideológico”, mas membros da alta hierarquia burocrática de um mesmo partido.

Não vai entender por exemplo o xadrez das articulações de um Zé Dirceu solto e um Lula preso, pressupondo estratégias suicidas ou alopradas perfeitamente alinhadas, quando na verdade, o que está em disputa é a demarcação do território envolvendo inclusive a chantagens e negociações clássicas: tanto de vender apoio populares e de aliados como moeda de troca, quanto de jogar as manadas do precipício na eminencia de perda do controle absoluto das massas de manobra.

De modo quem faz analise política se perguntando o que eles são capazes de fazer, já perdeu (ou morreu) e ainda não sabe. A pergunta é o eles ainda tem poder para fazer, porque enquanto tiverem vão fazer. porque os freios da correção moral, a ética não existem, ou melhor existem para ser tomados e usados como arreios para manipular as ações de quem possui essa “fraqueza” e propaganda.

Não importa como vemos a política ou como achamos que ela deveria ser. Importa como eles a veem, tratam e usam. E para eles política é a arte da guerra através do controle e manipulação dos símbolos representação do poder de fato, quer a sociedade civil goste ou não, é feita do monopólio da violência de olhos abertos ou fechados.

Curioso que num pais que tenha o esporte coletivo como o futebol como sua máxima e metáfora para todas as situações da vida, não entender que na prática de qualquer atividade, incluso a artistismo e esportiva, talento e caráter não tem nenhuma relação necessária. Alguns dos melhores jogadores, e algumas das maiores obras foram feitas por gente que nenhuma pessoa prudente jamais entraria sozinha numa mesma sala. De modo que só há uma coisa mais estúpida do que subestimar ou tentar invalidar o mérito em um campo, utilizando os valores de outro, é pressupor que tais valores vão lhe defender ou produzir qualquer obra com qualidade apenas porque são os moralmente corretos.

O politicamente correto, ou “como as coisas deveriam ser”, deixou as pessoas imbecilizadas, vulneráveis, e impotentes. Cegas a renegar como as coisas são, e logo completamente incapazes de se defender e transformar a realidade da única forma possível: encarando de frente como elas são para o outro. É impossível impor como as coisas deveriam ser como obrigação a pessoas que não aceitam tal como seus deveres, até porque sequer acreditam que as coisas assim deveriam ser. E se tentar impor como dever moral já é um engano, pressupor tais valores como valor e responsabilidade de quem lhe vê como um inimigo, desprezo, ou pior preza é um engano fatal.

Mas o pior de tudo não é nem isso. É o continuar acreditando que Papai Noel. Esperando encontrar porcos limpos no chiqueiro ou achando que vai que é possível entrar no chiqueiro e não vai se sujar. Como se fosse possível passar décadas no chiqueiro, sem saber que é um chiqueiro e sem se enlamear. Ou como se fosse possível sobreviver dentro dela sem chafundar na lama. E não são só eles que estão dentro que sabem disso, nós que estamos de fora também sabemos. Só há uma forma de acabar com essa imundice, é pondo um fim no chiqueiro. Mas esse é problema, não gostamos do chiqueiro, mas gostamos da carne de porco.

Nisto erra, o estadista que diz que se o povo soubesse do que a política e as salsichas são feitas não engoliria nem uma coisa nem outra. Sabemos do que, e como são feitas, e que se dane porque queremos salsichas. Nisto se baseada toda a simbiose entre sociedades e governos, o verdadeiro contrato social tácito entre governantes e cidadãos, oferta e procura. Enquanto houver gente disposta a pagar para alguém fazer o serviço sujo para prover elas querem sem sujar as mãos, nem ter que ver como isso é feito,sempre vai haver um emprego com poderes para tanto para quem é capaz de fazer qualquer coisa por poder, especialmente quando esse “trabalho” não é nenhum sacrifício ao menos não dele, mas um prazer. Um banquete que ninguém tem nenhuma objeção enquanto tiver a sua parte garantida, e claro não for ele mesmo o prato principal. Uma questão portanto também de psique, mas não das classes governantes, mas das classes governadas, em especial aquelas que bancam esses sistema de governo do grande circo da representações políticas para o respeitável público, o freakshow do “me engana que eu gosto”.

A Ética é uma escala de prioridades de valores. Seja no campo que for, na guerra, na política e nos negócios, em todo tipo de ação ou relação a ética é feita de um um conjunto de princípios que a pessoa considera não por que é forçada de acordo com sua vontade deve seguir. Esses princípios éticos são em geral regras simples, sobre atos que a pessoa deve ou não deve fazer sem condições, isto é sem prêmios ou punições em contrapartida. Ações e não-ações que uma pessoa prática simplesmente pelo valor da sua realização como objetivo em si, e não por conta de outros objetivos, princípios, ou como meio para atingi-lo. Não assassinar outro ser humano, por exemplo. Há quem não o faça ou faça apenas por conta das consequências que ele supõe que sofrerá ou não, e há quem não o faça não importa as consequências, não importa o tamanho dos riscos de ganhos ou das perdas esperadas, simplesmente não faz por uma questão simples: lhe abomina tirar a vida de outra pessoa e ponto final. Ele pode gostar de dinheiro, pode gostar de luxo, poder, ter ambições, projeto de poder, ou ter os vícios manias e desejos e fantasias mais “exocêntricos” e até doentios, mas a realização desses prazeres em nenhuma hipótese ou circunstância abre espaço para considerar a possibilidade de tirar uma vida se isso for necessário para realizá-los, ou mantê-los. Há pessoas com princípios éticos mais maleáveis, tira a vida não, mas roubar ou até tirar a liberdade de outras para conseguir o quer, para atingir seus objetivos, ou mesmo fazer disso o meio para sustentá-los pode não ser problema nenhum, tudo depende de qual são os seus valores, ou mais precisamente o que vale mais uma vida a liberdade de outra pessoa ou a realização dos seus interesses, sejam eles desejos ou objetivos.

E eis o problema da guerra, da política e dos negócios. Não lhe falta uma ética, não lhes falta um código de conduta e um sistema de valores. O problema é que esse código de conduto (na prática, não na propaganda e teoria) é feito literalmente de outra escala de valores, onde a o ser humano, a vida, liberdade e propriedade alheia sempre valem menos que seus objetivos ideológicos ou pragmáticos, nomes bonitos para taras e fetiches em ideias fixas e desejos de posse e poder.

Me mostre qual exército, partido, governo, ou grande empresa que entre as seguintes opções:

A. a rendição, derrota, queda e falência mas preservando a vida de inocentes.

B. a morte de um ou tantos inocentes quantos forem necessários se necessário for para salvar sua “causa”, “negócio”, e “corporação”.

Me mostre qual desses governos, empresas, partidos ou exércitos prefere tem a vida e liberdade humana acima do lucro, poder e cores ideológicas e eu lhe mostro um unicórnio, um duende, um messias e um papai noel.

Me mostre um governante, CEO, grande líder, ou comandante que prefere arriscar sua posição, cargo e status, pelo direito a vida e liberdade de uma única pessoa e eu lhe monstro um salvador da pátria de pijama, um papai noel de shopping um revolucionário de bar… desempregados.

A ética portanto existe, mas ela é outra. É uma ética que não só tolera o sacrifício de vidas humanas, mas recrimina e pune quem por ventura coloca esses princípios humanos (e naturais) acima das normas e valores dessa outra ética considerada a norma e normal.

Logo, desde que seja pela causa ou mais precisamente valor, seja ela dinheiro, poder, status ou qualquer outra mascara ideológica que torne esses objetivos menos repugnantes e mais tolerável não só ao olhar do outro, mas do próprio ethos do indivíduo não só frente a coletividade que ele pertence mas frente ao espelho, a ação não só deixa de ser objeto de recriminação, como pelo contrário a consciência e objeções passam a ser objeto de criminalização e condenação! Um ethos que condena a consciência e premia tanto obediência quanto a ambição cegas, ou melhor tem por valor máximo a obediência cega a ambição desde que essa tenha sucesso. Essa é a lógica dessa ética que se não formos completamente hipócritas temos que admitir: não está presente só nas classes governantes, mas hospedada ainda que numa simbiose parasitária também dentro da mentalidade e cultura das sociedades.

É por isso que nas nossas sociedades onde o instinto gregário foi amputado e substituído pela cultura de submissão dos agregados por domesticação, o soldado conscrito que se recusa a tirar a vida de uma pessoa que ele não conhece vai para cadeia por traição. E assassinos em massa desde que vencem a guerra, viram estatistas aos olhos do seu público cativo e histérico.

Os fins justificam os meios? Não, a teratologia desse ethos é muito mais bem elaborada. Dentro dessa ethos os fins não só justificam os meios, como uma vez bem sucedidos, os donos dos meios se autoproclamam autoridade absoluta para ditar seus fins como os únicos princípios legítimos e absolutos.

Mas não se preocupe você e eu somos livres para dizer que não queremos e concordamos com nada nem ninguém que está aí. O que evidentemente não quer dizer que eles vão parar ou sair. E você vai ter que levar. O coito não pará. Mas o choro é livre. Eis a festa da democracia representativa! A versão mais moderna e bem elaborado do 171 mais lucrativo da história: o estadismo.

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Marcus Brancaglione

X-Textos: Não recomendado para menores de idade e adultos com baixa tolerância a contrariedade, críticas e decepções de expectativas. Contém spoilers da vida.