Da morte e renascimento da esquerda

O fim do trabalhismo, socialismo e da democracia liberal II

Marcus Brancaglione
30 min readJan 25, 2019

No artigo conexo acima que o presente segue o fio da meada, divagava sobre a a dificuldade atual de correntes do pensamento dito de esquerda- mas não só delas- de reconhecer os seus próprios erros, quando da perda da capacidade não só autocritica, mas crítica e analítica, em face da perplexidade, especialmente em seu estágios mais pasmante e embasbacantes , o estado de perplexia. Divagava como uma reação absolutamente normal, saudável e inerente ao pensamento, que é o assombro perante os grandes absurdos (ou maravilhas, depende da perspectiva e valores do observador)- pode vir a se tornar um vício de mentalidade, e uma afecção psico-cognitiva, quando o ser, estar e se manifestar perplexo longe de ser uma reação de fato inevitável, se torna mais do que uma falta de, mas uma predisposição a, uma verdadeira fixação, quase que um fetiche, enquanto mecanismo de contentamento e autodefesa. Assim como divagava o quanto isso prejudicava toda possibilidade de aprendizado natural com a vida, e a necessária leitura e adaptação a ela; paralisando toda ação e reação do sujeito em sua fase mais primordial a ideação. Um problema sempre grave e perigoso, mas ainda mais quando essa ação, reação e sobretudo ideação são impreterivelmente necessárias, e exigem mais do que a autocritica e atualização do pensamento, mas, mas nada menos que sua completa reinvenção.

Enfim, nesta divagação cai no em outro lugar, um pouco diferente da perplexia, o da teimosia burra. E a partir dele que prossigo narrando essa viagem, mas usando ainda o mesmo gancho comportamental que reuni num mesmo posição e condição perplexos e teimosos: a relutância em fazer reavaliações e a persistência nos mesmo erros. Porém como espero mostrar por razões distintas. Segue.

Em Economia Comportamental existe uma falácia chamada sunk cost ou falácia dos custos irrecuperáveis. Uma idiossincrasia que não se está restrito as tomadas de decisão econômicas, mas se estende a todas as esferas da vida, incluso as políticas. Essa falácia descreve um comportamento que consiste basicamente no seguinte: continuar investindo tempo, dinheiro- entre outras coisas ainda mais importantes- em ações e relações que sabida ou evidentemente estão fadadas ao fracasso, na vã esperança de que, (ou melhor, vai que…) se suceda o contrário. Uma expectativa portanto não só ilógica e irracional, especialmente quando as probabilidades aferidas obviamente tendem ao zero. É portanto considerado uma falacia porque se o sujeito pressupõe que pelo fato de já ter investindo muita coisa durante muito tempo, ou ou o que quer seja, vale a pena continuar insistindo e investindo mais, no mínimo para tentar recuperar o que já foi perdido.

No bom e popular português, com já disse, chamamos isso simplesmente de teimosia burra. Contudo a definição é por genérica, e o comportamento descrito de uma burrice bem mais especifica. Uma burrice que não persistente, mas cuja teimosia custa cada vez mais caro. Ao menos, bem mais caro do que admitir o erro e mudar o comportamento. Uma burrice que todos conhecemos, e se disser que em algum momento não praticamos, ou estamos mentindo ou nos engando.

Descrever esse comportamento não é nenhuma descoberta desse campo de estudo da economia. Descobrir o porquê afinal de contas fazemos isso, eis sim um desafio digna de investigação. Um desafio que interessa evidentemente hoje principalmente o dito pensamento progressista ou de esquerda. Mas não só deles, e não só quando a coisa aperta, a todos que compartilham os mesmos valores sociais, libertários, humanistas e cosmopolitas e não se chamam ou são chamados de esquerda, ou progressistas; até porque nem todos que são se chamam ou são chamados, e nem todos que se chamam ou são chamados tão pouco o são, ou mesmo o sendo compartilham de todos os mesmos princípios e valores nem muito menos as práticas. De tal modo que isto que é inegavelmente uma precaridade de coesão e até de princípios, ideais e valores consolidados também não deixa de ser oportunidade e convite o mais aberto que ele pode o ser, justamente para a construção desses ideias e valores enquanto princípios de um novo ethos, onde a perfeição não é um ideal nem muito menos um prerrequisito, a ser hipocritamente simulado ou utopicamente perseguido, mas sim a solidariedade justamente com suas faltas, não com a soberba da humildade e tolerância, mas pura e simplesmente como fé numa razão, ou melhor ciência, que prescinde de discriminação, juízos e julgamentos. Uma consciência (um pouco mais) gregária.

Mas isso é uma digressão. Estou me adiantando (e precipitando) onde quero chegar, nos finalmentes, as conclusões. Pés no chão, voltemos para onde estamos, as falácias dos custos custos irrecuperáveis.

Até onde vai sua arrogância e teimosia? Um dos exemplos de teimosia e apego a decisões ou escolhas que fazemos em nosso dia a dia foi estudado pela Economia Comportamental e costumeiramente é chamado de falácia do custo irrecuperável (Sunk Cost).

Muitas vezes nos apegamos a determinas decisões por considerar que o tempo, os recursos financeiros ou envolvimento psicológico que empregamos, foi alto demais e assim temos resistência a abrir mão desse esforço dado o custo dele para nós.

Uma frase resume bem o comportamento atrelado ao custo irrecuperável:

“Já cheguei até aqui… Agora vou até o fim!”

Apesar de não saber ao certo o autor da frase acima, ela se aplica muito bem o caso da falácia do custo irrecuperável. É tentador assumir esse tipo de comportamento, afinal de contas, quando nos envolvemos demais com algo, ficamos meio míopes e tendemos a não conseguir nos desvincular daquilo que tanto investimos.

Outros vieses podem contribuir para reforçar o comportamento da falácia do custo irrecuperável. Podemos por exemplo utilizar heurísticas de confirmação. Neste caso, ao contrário de negar o fracasso da ideia original, vamos desesperadamente procurar informações que confirmem nosso ponto vista, de que ainda pode haver salvação para a ideia, decisão, posição em investimentos, ou seja, lá o que for.

Assim entramos num ciclo vicioso onde renunciamos nossa parca racionalidade e seguimos piorando continuamente a situação. Se por exemplo é um investimento, que vem mostrando sinais de rendimentos negativos sucessivos, muitos insistem na espera excessiva, acentuando as perdas simplesmente por não aceitar e reconhecer a hora de “abandonar o barco”.

De acordo com Arkes & Blumer, 1985 — indivíduos são acometidos pela falácia do custo irrecuperável quando:

…quando continuam um comportamento ou esforço como resultado de recursos previamente investidos (tempo, dinheiro ou esforço).”

Arkes & Blumer, 1985

O apego à manutenção do comportamento, mesmo quando já está nitidamente evidente o fracasso, não tem apelo racional.

Longe disso!

Afinal de contas, pensem comigo: se algo está apresentando um resultado indesejado, quanto antes você se livrar desse resultado, melhor! Não acham?

Mas o revés também pode ser explicado para inércia e nossa tendência à inação. Uma variante desse comportamento está ligada à nossa grande inclinação para a manutenção de nosso status quo. Nossa natureza em geral é resistente a mudanças e também ao reconhecimento de nossos fracassos pessoais.

É comum escutar por todo canto:

“Ah, já deu errado mesmo, vou manter minha posição (decisão), quem sabe não acontece algo e reverto a situação? Já gastei tempo e dinheiro mesmo!”.

Adotar um comportamento de negação ou negligenciar os resultados negativos de nossas decisões adotando uma posição de manutenção de nosso status quo, traz algum conforto psicológico. Afinal de contas não temos que nos desgastar emocionalmente para aceitar o fracasso. Também não precisamos utilizar esforço cognitivo para nos mover de uma posição para outra, eliminando o status quo.

Mudar também consome muito esforço cognitivo e quando a esse esforço somamos o alto custo psicológico do fracasso… Simplesmente podemos pensar, num momento inicial, que a opção menos dolorosa seja nos manter exatamente como estamos.

No entanto essa manutenção e a tentativa desesperada de evitar a dor e sofrimento e de ter que reconhecer que as coisas deram errado, nos leva pouco a pouco a situações ainda mais dolorosas e agudas, aumentando o sofrimento. — Falácia do Custo Irrecuperável e Elon Musk — Geekonomics

Sim. A vaidade é uma hipótese forte que com certeza pode explicar quase que isoladamente muitos casos de teimosia burra com custos irrecuperáveis. Como diria o filosofo português do século XXI radicado no Brasil, Matias Aires a vaidade é a mãe de todos de todos os males. Aliás como diria não como disse em “Reflexões sobre a Vaidade” ( PDF completo no final do texto):

Adiantando-se a Stendhal, Matias Aires designa pelo nome de vaidade todos os efeitos da imitação nas relações interdividuais; ressaltando ainda que este desejo de imitação é tão recíproco quanto contagioso:

(…)resulta a vaidade como contágio contraído no trato e conversação entre os homens. O nosso entendimento facilmente se infecciona, não só nas opiniões próprias, mas também com as alheias; não só com as próprias vaidades, mas também com a dos outros: não sei se seria mais útil ao homem o ser incomunicável. (p. 37)

Esta precaução extrema, cogitada naquela frase final, encontra justificativa nas páginas seguintes, nas quais ele ressalta que a vaidade é contagiosa porque não se firma em objetos físicos — dos quais, aliás, se vale temporariamente para angariar a estimação dos outros homens (p. 50), sendo este o seu objeto maior. A vaidade humana é, portanto, motivada por um desejo metafísico, visto que a estimação alheia “é objeto vago, que não tem figura própria em que possa versar” (p. 50).

Matias Aires confirma assim o entendimento girardiano de que os objetos de desejo do vaidoso constituem-se apenas num meio de atingir o outro, de fazer-se um outro, rompendo o intolerável sentimento de igualdade, ou de indiferenciação, mediante o qual nenhuma vaidade pode se sustentar: “A igualdade sempre foi para os homens uma coisa insuportável; por isso entraram a forjar novos artifícios com que se distinguissem, e ficassem desiguais” (p. 143). Estabelecer uma desigualdade, ou seja, uma diferenciação é a função social da vaidade:

A diferença e desigualdade dos homens é uma das partes em que se estabelece a sociedade, por isso esta se funda em princípios de vaidade; porque só a vaidade sabe corporificar ideias, e fazer diferente, e desigual, o que é composto por um mesmo modo, e organizado de uma mesma forma. (p. 31)

Ressaltando o propósito diferenciador da vaidade, o filósofo mostra ainda que ele é intrinsecamente paradoxal, porque a concorrência mútua por alteridade, ou singularidade, acaba por se tornar numa reserva de identidade que, mesmo involuntária, envolve a todos numa única ilusão, pois “tudo quanto a vaidade ajunta ao homem, é emprestado, fingido, suposto e exterior” (pp. 61–2). Eis então o paradoxo: toda diferenciação é um empréstimo porque depende da confirmação alheia e recíproca!…

Mas que importa que a vaidade estabeleça diferenças, se estas sempre ficam dependentes da aprovação dos homens; e se estes não sabem sujeitar os seus conceitos senão àquilo que é comum, que toca a todos e que a todos compreende? (p. 72)

O olhar do outro é o crivo ou a medida de todos os nossos desejos. O filósofo paulista adverte, porém, que — dependendo da distância em que nos encontramos deste outro a quem tomamos como juiz de nossas supostas singularidades — o olhar pode surtir efeitos contrários. Se vier de alguém superior, que está fora de nosso raio de alcance, parecerá um olhar de lisonjeiro reconhecimento. Mas se vier de alguém próximo, parecerá o olhar invejoso de um rival. Num parágrafo sucinto, Matias Aires ilustra os conceitos girardianos de mediação externa e mediação interna nos seguintes termos:

(…) sucede assim nos benefícios que os soberanos nos fazem; quem os recebe, sempre os reconhece, porque a mesma vaidade que nos faz ser ingratos com outros homens é a que nos faz ser agradecidos para com os príncipes; e com razão, porque nestes o favor parece sempre puro e generoso; em lugar que nos mais homens sempre parece infeccionado de algum gênero de interesse. (p. 47)

Porém, aqueles que não desfrutam de um olhar superior têm de recorrer aos olhares que estão à sua volta, agravando assim o paradoxo da vaidade, ou seja, a busca, tão desesperada quanto inconfessável, de algo que ela finge desdenhar. Neste pormenor, o filósofo paulista expõe os intricados liames da mediação interna que nos impelem a condicionar os desejos alheios tanto quanto receamos ser por eles condicionados, e consequentemente nos faz oscilar da mímesis de apropriação para a mímesis de antagonismo, estabelecendo interdições ou criando obstáculos que, invariavelmente, provocam o mesmo efeito magnético:

A mesma distância em que algumas coisas se põem, as fazem estar mais perto… Quem foge, parece que quer que o sigam; quem deixa, parece que quer que o busquem: o mesmo é cobrir o rosto que incitar mil vontades de o descobrir… O que se busca com ânsia, não é o que se dá, mas o que se nega; o que se permite desgosta; o que se refuga, atrai; o desejo não tem seta mais aguda que aquela que se armou de proibição. (p. 91)

De modo ainda mais categórico, ele chega a dizer que:

A proibição sempre nos deixa suspensos, e como que magoados; porque o nosso desejo não tem atividade naquilo que já é nosso, mas sim naquilo que o não é, e que não pode, ou não deve ser; o que se permite não parece tão bem como o que se nega; o muito que se concede não consola do pouco que se proíbe; por isso o alheio nos agrada, porque nele achamos uma negação ou um limite do que é nosso. (p. 83)

Com essas sentenças aforísticas, Matias Aires descreve o jogo de mensagens e metamensagens interdividuais que Girard iria sublinhar com o conceito de double bind, a mediação duplamente vinculante que condiciona nossas vontades, mesmo que à revelia de qualquer precaução. E isso também foi dito pelo nosso filósofo:

Cada um de nós tem duas vontades sempre opostas entre si; ao mesmo tempo queremos e não queremos; ao mesmo tempo buscamos e fugimos; ao mesmo tempo amamos e aborrecemos… Uma vontade nos declina, a outra nos arrasta. (p. 49)

Ele ainda nos previne da rivalidade latente que pode se manifestar como uma inveja profundamente ressentida que, no seu entender, é o aspecto mais patético e perigoso da vaidade:

O que chamamos de inveja não é senão vaidade. Continuamente acusamos a injustiça da fortuna, e a consideramos ainda mais cega do que o amor na repartição das felicidades. Desejamos o que os outros possuem, porque nos parece que tudo o que os outros têm, nós o merecíamos melhor; por isso olhamos com desgosto para as coisas alheias, por nos parecer que deviam ser nossa: que é isso senão vaidade? Não podemos ver luzimento em outrem porque imaginamos que só em nós seria próprio; cuidamos que a grandeza só em nós fica sendo natural, e o esplendor alheio passa no nosso conceito por desordem do acaso, e por miséria do tempo. (p. 49)

A vaidade assim ressentida, diz Matias Aires, pode subverter o seus propósitos de diferenciação, predispondo-nos a buscar uma singularidade às avessas:

Não só o que é digno de louvor é grande, porque também há coisas grandes pela sua execração; é o que nos basta para a vaidade a seguir e aprovar. (…) A fama não só se compõe do que é justo, e o raio não só se faz atendível pela luz, mas pelo estrago. À vaidade apetece o estrondoso, sem entrar na discussão a qualidade do estrondo; faz-nos obrar mal, se deste mal pode resultar um nome, um reparo, uma memória. (p. 48)

Nesse parágrafo constatamos que o filósofo paulista pôde descer ao subsolo do desejo onde, posteriormente, Girard iria localizar a matriz comum das personagens mais sinistras de Shakespeare, Stendhal e Dostoiévski, dos sadomasoquistas de Proust, dos anti-heróis cínicos de Valéry, Camus e Sartre. O subsolo onde também ele entreviu as pulsões autodestrutivas que Freud definiria como Tânatos, e sobre as quais Deleuze e Guattari elaborariam seus capciosos sistemas de delírio. O mesmo subsolo, enfim, onde Nietzsche perscrutou como demasiada insistência os mais arcaicos fundamentos da cultura humana, abismando-se em fossas de rancor e violência das quais retornaria com sua personalidade destroçada. Aliás, muito antes de Nietzsche afirmar que nada na história humana se passou sem sangue, e que as mais cruéis formas rituais têm na dor o meio mais poderoso de forjar uma memória (NIETZSCHE, Friedrich W. Genealogia da Moral, uma polêmica. In: Nietzsche — Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. pp.304–305), Matias Aires tinha atinado com uma violência ancestral que, deixando-se instrumentalizar, consagra e dá sentido à vaidade humana:

Daqui vem que nos anais da História, a parte que mais admira, e que mais imprime na lembrança é aquela que se compõe dos sucessos mais cruéis; e em que os campos, que foram de batalha, cobertos ainda de esqueletos informes e partidos, conservem certo horror sagrado. Esses campos fatais, em que se observam espectros, debaixo da visão de umas luzes voláteis, e em que se ouvem ainda hoje, entre o rouco som de caixas e trombetas, vozes mal articuladas, alaridos confusos e lamentos tristes; esses campos, que depois de muitos séculos, ainda trazem à memória as representações funestas em que a vaidade vencedora arrancou os louros para coroar as suas empresas. (AIRES, Mathias, op. cit. p. 59)Matias Aires: um autor romanesco brasileiro do século XVIII por Christiano Galvão

Definitivamente antes da inveja, a vaidade já era uma merda, antes mesmos da queda do paraíso (ou advento do mesmo). Mas se ela, a vaidade, explica muitos erros, não explica a todos. Não é sempre o fator determinante, e por vezes, nem sequer componente significante à somatória que equaciona que define as tomadas de decisão e comportamentos. Ou simplesmente, nem toda teimosia burra é fruto da vaidade. Especialmente quando os custos irrecuperáveis ou pior ainda, os danos irreparáveis ferem mortalmente a própria vaidade, por vezes de forma consciente.

Na verdade, a teimosia, burra ou não, é um comportamento ainda mais primitivo e instintivo que a própria vaidade, estando presente até mesmos em seres capazes de tomar suas próprias decisões, mas incapazes de fantasiar loucuras e paixões tão elaboradas sobre si mesmos quanto a pessoa humana. Perfeitamente capazes, portanto, de cometer erros e teimar neles, tanto quanto são inteligentes suficientes para proceder em contrário, e eventualmente apreender com eles, contudo, definitivamente, incapazes de estarem a cometê-los pelas insanas e desmedidas paixões por nós mesmos e tudo que obramos que afetam nossa razão, as vaidades.

Todos nós fazemos isso. Quem nunca foi ao cinema e ficou até o fim de um filme que percebeu que era ruim nos primeiros 10 minutos? Essa é a mesma lógica de quem diz “já gastei muito dinheiro com meu carro. Não posso simplesmente me desfazer dele agora. Melhor substituir a caixa de câmbio que está com problema”.

Há também aqueles que permanecem em relacionamentos fracassados por anos a fio porque não querem que o tempo que passaram juntos tenha sido “em vão”.

O que conecta esses exemplos é o fenômeno de continuar lançando mão de recursos (tempo ou dinheiro) depois que algo negativo acontece, esperando que a situação melhore, quando não há bons motivos para acreditar nisso.

Em outras palavras, as pessoas são relutantes em aceitar perdas. É muito mais provável que a gente continue a desperdiçar tempo ou dinheiro em um projeto que não está dando certo, na esperança de que prospere, do que reconhecer a derrota e desistir. O que impulsiona isso é o otimismo — de que, contra todas as probabilidades, a situação vai melhorar — e a aversão ao fracasso.

Até os animais podem ser influenciados pelos custos irrecuperáveis. Um estudo recente da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelou que ratos e camundongos se comportam da mesma forma que os seres humanos.

Em ambos os casos, o estudo mostrou que quanto mais tempo eles investem à espera de uma recompensa (para os roedores, ração aromatizada, para os humanos, vídeos engraçados), menor a probabilidade de desistirem da busca antes do fim da espera.

Segundo alguns pesquisadores, esse padrão pode sugerir uma razão evolutiva para essa tendência economicamente irracional. — BBC:O fenômeno cognitivo que leva empresas e pessoas a tomar decisões erradas

Vale a pena repetir: tendencia não só econômica, mas também politica. Porque o capital não se reduz nem se compartimentaliza no campo dos valores econômicos. Tome por exemplo, a perplexidade- algumas mais simuladas do que espontânea- dos críticos tardios (para não dizer oportunistas) sobre o apoio de setores da esquerda brasileira, notadamente a “burocracia” do Partido dos Trabalhadores a ditadura bolivariana da Venezuela. Um articulista chama a presidente do PT de “infiltrada bolsonarista” pela persistência em defender o indefensável; uma especie de quinta coluna, como a Dilma, porém se por suposto inocente ou maquiavélica isso o articulista já não esclarece, nem advoga. Ciro Gomes- que resolveu vestir de vez o chapéu que colocaram nele de “corno sim, mas manso não” aproveitou proclamar o óbvio: “esquerda mofada”. Suponho que críticos que não são de última hora, até conseguiriam nutrir mais respeito mais esses que permanecem até o fim no barco, do que os ratos que pulam fora dele, isto é claro se esse barco onde os ratos persistem ou abandonam não fosse sabidamente faz tempo um barco da morte. Entretanto a questão de passagem aqui não é natureza explicitamente degenerada o regime Venezuelano, mas o que impede a cúpula do petismo de se esquivar com o mesmo “velho e bom” pragmatismo que usa nas questões domésticas da ditadura da Venezuela?

Idealismo? Humanismo? Sem comentários.

Ideologia? Talvez até pudesse ser, mas cegueira ideologia não é um mal que costuma acometer as lideranças que se embrenha pelo descaminho pragmatismo no jogo da realpolitik, mas sim os seguidores fieis do seu proselitismo. Seria mesmo, então, um caso de teimosia burra?

Vejamos:

Os danos são irreparáveis? São. Os custos são irrecuperáveis? Com certeza. Mas ainda sim, duvido que essa idiossincrasia seja mera teimosia burra. Muito mais provável, que os motivos desse comportamento que diferencia aqueles que estão a abandonar o navio, dos que estão a permanecem até o fim, longe de ser teimosia e burrice ou tão pouco coragem e perseverança, se explique da forma mais simplista e fatalista: a impossibilidade de fato de proceder de outra forma.

Relutam e persistem nessa que embarcaram não só porque tem o rabo preso, mas porque, por bem e por mal, já não podem se desvencilhar dela, já que estão presos por inteiro, de corpo e alma. E para ser sincero, isso particularmente pouco me importa. O que a a velha guarda da esquerda terá fez da sua vida, e qual o destino que ela terá, não me interessa, me interessa muito mais o que fizeram com as vida dos outros. Porém, nem uma coisa, nem outra é essencial para entender onde de fato quero chegar, e adianto: nem toda teimosia é burra, nem se explica ou muito menos se resolve supondo que se enquadre numa falácia de custos irrecuperáveis. Em outras palavras, o que estou dizendo é que há circunstancias onde já não podemos mais voltar atrás, não só porque não queremos mesmo sabendo que seria melhor; mas principalmente porque mesmo se quissemos não poderíamos. E não poderíamos não só porque não existem saídas, mas sobretudo porque não temos mais o capital dos capitais para conseguir alcançá-las em tempo. O próprio tempo.

No presente exemplo, estamos falando de uma situação onde, lembre-se que analisamos de fora, provavelmente os jogadores não tem mais como escapar, e é muito provável que já saibam disto. Saibam em que desistindo ou continuando o seu fim será exatamente o mesmo, de modo que é possível que longe de qualquer esperança em recuperar as perdas, estejam apenas vendendo e vendendo caro sua derrota certa, ou melhor suas perdas. Nesse caso, o erro, portanto, não estaria na tomada de decisão do ator, mas na subestimação dos adversários; erro de avaliação do observador independente do qual errado ou acertado seja o comportamento observado. Um erro de pressuposição dos mesmos propósitos, valores e raciocínios baseado a projeção dos seus aos demais. A falácia da falácia.

Considerando para efeito de reflexão, apenas as situações onde o sujeito tenha de fato a possibilidade significativas, ou seja condições tanto para desistir quanto persistir, não esteja portanto fatalmente preso as circunstâncias, podemos elencar ao menos duas situações onde alguém decide insistir naquilo que aos olhos do observador poderia qualificado de teimosia burra, quando na verdade essa suposição de teimosia burra é uma falha das suas observações:

Uma, quando o observador ao não perceber ou desconsiderar quaisquer valores ou propósitos que não se enquadrem dentro da sua própria escala de valores, preenche as variáveis incógnitas da equação como os seus próprios valores e formas de valoração como se fosse uma constante, não só ignorando mas matando toda possibilidade de compreensão de quais são os fatores determinantes da tomada de decisão e comportamento do outro. Um erro especificamente de preconceitos de valores. Ou mais precisamente um erro de pressuposição de juízos de valoração.

Outra, e esse é o que mais interessa aqui, é quando o observador erra suas explicações e consequentemente previsões porque equaciona de forma equivocada suas próprias pressuposições e concepções. Ou seja erra por inconsistência e incoerência absoluta do seu modelo. Este é o caso dessa explicação denominada “falácia dos custos irrecuperáveis”. Ela é explicação falha. E falha não só porque incompreende a relatividade dos valores e valorações, mas principalmente porque um dos seus principais componentes de conceituação de valor, ou mais precisamente de formação do que considera capital é a fundamental para o funcionamento do modelo, o tempo, está bem longe de ser descrito de forma fidedigna como o fenômeno realmente afeta essas tomadas de decisão, e de forma cada vez determinante que os outros valores, quanto mais o tempo passa.

O tempo é o mais importante dos capitais, não está só subestimação dentro equação como está definido de forma completamente desconexa com a natureza dos fenômenos que essa abstração, o tempo, tenta significar. Um erro não só epistemológico, mas físico e matemático. Explico, ou melhor complico.

E complico melhor usando o próprio exemplo da teimosia burra. Ou melhor, com exemplos extremos de teimosia burra, onde fica claro que a natureza desse capital tempo, longe de ser uma constante, é uma variável que sempre inevitavelmente “se perde”, e quanto mais dela se perde, mais leva as pessoas a comportamento aparentemente paradoxais e persistentes, ou os erros, como diriam aqueles que tem relativamente todo o todo tempo de mundo, isto é, ainda virtualmente todo o potencial da vida pela frente, são capazes de enxergar com tanto certeza. Muito embora, sejam eles velhos narcisos que acham que vão ficar para semente, ou jovens que não precisam, nem deveriam, se preocupar com o tempo ainda lhes resta, a natureza do tempo de vida continua inexorável, a todos seres vivos: a vida é morte lenta, onde o mais precioso de todos os capital segue sem parar numa única direção de forma irreversível e irrecuperável. No entanto se tal se perde ou não, eis a questão.

O tempo de vida investido é um bem, que as teorias baseadas baseadas apenas em funções de sucesso e fracasso, perdas e ganhos, simplesmente não conseguem equacionar que dirá compreender. Tempo investido, não é um valor que uma pessoa possa simplesmente jogar fora, a vida não é um empreendimento que você fecha na calada da noite manda os funcionários embora e abre outro com o livro contábil zerado para aplicar o que resta do seu capital. Não é um rascunho que você joga fora, e começa outro do zero, num papel novo em branco. Não é algo que você possa guarda num álbum de fotografias, num banco de dados nem de memórias. Não é um banco que cabe num livro contábil. O tempo não é um bem precioso porque é raro ou simplesmente porque seja finito, mas justamente porque é sempre querendo uma investimento sem retorno, cujas perdas ou ganhos futuros, longe de estar no futuro, estão sempre no passado, o verdadeiro patrimônio, não como bem alienável e perecível, passível de ser perdida ou apagada como uma mera memória, mas a vida vivida como a propriedade indelével não meramente pertence mas que define o ser é: os atos e fatos que compõe a entidade e identidade da sua existência. Ou como diria o escritor inglês, ser ou não ser eis a questão, pois nem tudo existe meramente em função de qualquer outra coisa, de fato, eis a diferença do que existe enquanto, o ser, o que meramente faz parte, reduzido a coisa, a existência não como mera função incluso função da perdas e ganhos da própria vida, mas a vida como função e razão de si mesma, como a própria existência. Um estado fenomenológico está sempre no passado, incluso o mais recente, e atualíssimo de todos os pretéritos, o presente. O tempo, é a própria representação abstrata do paradoxo da vida. É tudo que se perde e degenera e no entanto ainda sim a única coisa que permanece, o fato.

Do velho que se recusa a abandonar a casa condenada. Ao soldado que não abandona o campo de batalha. Ou mesmo o cão que espera o retorno do dono do morto. De todos aqueles que se recusam a seguir em frente, o fazem por uma simples razão, sua existência já não se separa mais, senão aos olhos do desavisado observador, não pode ser abduzida ou abstraída da sua vivência, ou história de vida. A lógica dos capitais, tem sua função e inteligência. Mas é extremamente ignorante e teimosamente burra, ao não compreender que nem todo ato ou investimento é feito com um propósito de um retorno para aumentar o patrimônio, mas é ele mesmo, em função de si mesmo, já o retorno, a transformação do irrecuperável tempo no bem e propriedade que se busca adquirir, e que não se pode comprar nem vender nem sequer doar.

A matemática por trás dessas tomadas de decisão é muito sensível as perdas, naquilo que também a economia comportamental chama de aversão as perdas, porque não se estão a contabilizar números e eventos, mas seres e fenômenos. Números e eventos são replicáveis e substituíveis. A vida e vivência não. Embora há quem creia que pode substituir um filho ou uma cão por um clone, ou mesmo por uma continuidade material perfeita incluso em memórias, o ente não é o mesmo porque o fenômeno não é o mesmo não importa que se as diferenças sejam ininterceptáveis ou simplesmente sequer existam perante a percepção. Quatro filhos perdidos, mais cinco refeitos não são iguais a um filho. Simplesmente há momentos em que já não importam os resultados do investimento, não por resignação ou aversão com o que como as perdas, mas simplesmente noção ou mesmo ciência que não se pode converter tempo em energia, mas não energia em tempo.

Por isso que quanto mais tempo e energia investimos em algo vai se tornando cada vez mais difícil, até o limiar do impossível, desistir dela, nem sempre é portanto uma mera questão de inercia, irracionalidade, paixão, costumes, perda de forças, capacidade de adaptação ou sequer falta de capital inclusive o inexorável para efetuar toda a transformar dos capitais, o tempo, mas sim pura e simplesmente, a persistência talvez até mesmo consciente, de que não só nada do que se fizer poderá reparar ou destruíra o que esta feito, mas que a riqueza não está mais no tempo que resta, mas tão somente nos fatos vividos, sejam eles rememorados ou não.

Um questão que vai cada dia que vivemos (e logo morremos) deixando de ser uma questão de perdas e ganhos do que é possível fazer ou desfazer, e passando a ser questão do que se é ou não é. Questão essa que é sempre balizada ainda que de forma inconsciente, pelo derradeiro momento, onde esse processo, simplesmente cessa, dentro dos limites da nossa própria capacidade de concepção, a morte. E quanto mais noção temos desse fato, ais ainda da sua proximidade, menos valor damos as possibilidades futuras e mais e mais a vivência do passado, não por uma erro da nossa episteme ou pisque, mas muito pelo contrário, pelo simples fato de que nossa vida enquanto não está nas elucubrações das possibilidades futuras, nem mesmo no presente, mas cada dia mais como fato vivido no passado.

Nem todas as propriedades mesmo as adquiridas são alienáveis, não sem o ser perder a propriedades que constituem a ele mesmo. De fato, se não há sua vida nenhum investimento perdido, se não investe em nada que só lhe traga perdas irrecuperáveis do seu tempo e dinheiro então corre, para investir em alguma coisa que dê sentido ao completo vazio da sua existência enquanto você tem algum… tempo. Ou então se tiver grana compra o quadro do Banski que se autodestrói põe na parede do banheiro e fica tentado tenta descobrir o que está por trás da lei da oferta e procura. Vai que…

Em suma, as pressuposições da falácia falham portanto dentro da sua própria coerência lógica, a partir do momento que não equacionam o capital, tempo (de vida) como a propriedade que se investe instintiva, vocacionada, consciente ou inconscientemente para formar o capital que mais importante para um ser dotado da capacidade de equacionar custos e benefícios para se apropriar, acumular e preservar suas propriedades, da forma mais egoísta que o egoismo pode ser enquanto algo saudável, a identidade. Traia ou Renuncie a essa busca, e a personalidade do ente de desfaz e fragmenta até restar nada mais do que a sombra irreconhecível do que ela um dia ela foi até aquele momento. Um suma, um erro de avaliação da alocação desses capital fundamental não só na vida mas na equação. Pois querendo ou não, o tempo e a energia embora inegavelmente perdidos de forma irrecuperável como potencial, não desaparecem mas se convertem, ou se preferir transformam para compor a riqueza (ou pobreza) de tudo aquilo que se é já de forma progressivamente mais independente desse fator determinante, o tempo, tanto o de vida quanto o vivido. E que no final das contas, torna irrelevante as perdas e ganhas, o sucesso ou fracasso no que foi buscado, porque tudo que de fato resta, é apenas o que foi vivido.

Notem que longe se ser, uma discrepância entre valores subjetivos e relativos, o tempo seja medida do potencial a realizar ou realizado, ou se preferir como energia a ser gasta, ou já convertida em atos, é um fator sempre mais concreto do que as projeções. Ou mais precisamente como um peso inexoravelmente sempre maior até ser o único relevante no momento derradeiro nas tomadas de decisão. O tempo dedicado longe mesmo quando não existe mais nenhuma esperança nem expectativa de ganhos futuros, adquire portanto, e com razão, sempre uma importância cada dia maior na nossas tomadas decisões quanto mais tempo e energia dedicamos, por uma simples razão: mais do que a cabeça, a existência, e seu valor, de fato e como fatos está a cada dia mais no passado e não no futuro.

Em outras palavras, a falacia dos custos irrecuperáveis, é sim valida para investimentos e empreendimentos que você de desvencilhar, mas não para aqueles que não mais para as apostas e empreitadas que não podemos mais jogar fora e partir para outra, a natureza que todas as coisas adquirem progressivamente com o tempo, sejam obras, realizações ou até mesmo meras apostas, quando elas passam a significar e dar significado para o que enfim simplesmente somos. Um erro de cálculo e conceituação grosseiro quando não se trata apenas de negócios, mas da vida. E quando afinal das contas não se trata disso?

O ser humano é um mau perdedor nato, que tende a dar mais peso a uma derrota do que a uma vitória. Mas uma pesquisa combinando psicologia com economia comportamental mostrou que é possível regular essa “aversão à perda”. O truque é tentar agir como se você fosse um operador da Bolsa ou um jogador profissional.

O conceito de “aversão à perda” foi proposto em 1979 pelos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman. Trata-se da preferência das pessoas a evitar perdas do que obter ganhos. O israelense Kahneman ganhou o Nobel de Economia de 2002 pelos seus trabalhos na área.

A aversão à perda é uma questão de percepção. Por exemplo, uma decisão poderá levar à perda de R$ 300,00. Há duas escolhas de investimento para diminuir o prejuízo. No primeiro caso, você perde R$ 150,00; no segundo, você não perde nada com 1/3 de probabilidade ou perde tudo com 2/3 de probabilidade. A maioria das pessoas escolhe a segunda opção, pois a certeza de perder R$ 150,00 é considerada pior do que a chance provável de perder todo o dinheiro.

“Nós podemos mudar a maneira como decidimos, e embora ainda possamos ser sensíveis a perdas, nós podemos nos tornar menos sensíveis”, concluíram os autores do novo estudo, liderado pela psicóloga Elizabeth A. Phelps, da Universidade de Nova York, e publicado na revista “PNAS”.

Phelps e colegas lembram que a emoção desempenha um papel no processo de tomada de decisões. Por exemplo, um estudo sobe consumo de bebidas mostrou que a apresentação subliminar de carinhas sorridentes alterou a avaliação das pessoas sobre as bebidas, mas também a quantidade que elas ingeriam e mesmo o total de dinheiro que elas estavam dispostas a pagar pelo drinque.

O grupo de Phelps usou voluntários num experimento no qual os participantes tinham que fazer escolhas monetárias entre uma aposta binária -com chance de ganho ou perda- e um valor garantido. Eles recebiam no começo US$ 30,00 e tinham que tomar decisões de investimento que poderiam ou fazê-los perder todo o dinheiro, ou chegar a ganhar até US$ 572,00. Em parte dos experimentos eles tiveram a condutividade elétrica da pele medida, indicando atividade do sistema nervoso como prova de excitação emotiva.

Os voluntários foram instruídos a usar duas estratégias. Eles deviam enfatizar cada escolha “como se fosse a única”; e depois foram instruídos a usar uma estratégia de regulação, enfatizando as escolhas como parte de um contexto maior.

No primeiro caso, entre 30 participantes, 14 demonstraram aversão à perda, 9 procuravam ganhos, e 7 tiveram um comportamento neutro. A condutividade da pele era maior no caso das perdas.

Mas, ao começarem a agir como investidores reais, colocando as perdas em um contexto de um portfólio de investimentos, a aversão à perda diminuiu em 26 dos 30 participantes.(…) -Estudo sugere forma de controlar aversão à perda

Que coisa absolutamente triste. De fato quanto melhor a pessoa for capaz de “enganar” sua aversão inata as perdas melhor essa pessoa se tornará uma verdadeira máquina de capitalização de bens alienáveis, porém mais senciente e consciente entre outras coisas de que nesse processo de transformação dos bens em capitais, ela também se torna apenas um capital alienável, uma mercadoria destinada a existir em função da reprodução desses capitais a um custo que não pode ser jamais transferido nem externalizado sobre um bem que não pode ser recuperado nem substituído, o tempo (e energia) de vida que vai sendo gasto para efetuar essa trabalho(na acepção física da palavra) para transformação da existência em bens cujo valor é completamente dependente da valoração alheia. Quanta falta de egoismo… ou seria de amor próprio?

Não sei porque isso me fez lembrar de paradoxo num filme antigo (e brega que eu gosto), o paradoxo do relógio de “Em Algum Lugar do Passado”…

(…) O paradoxo do relógio

A história de Em Algum Lugar do Passado parece ser auto-consistente, sem o chamado “paradoxo do avô” das viagens no tempo — Richard apenas cumpre a predestinação. Todas as informações que descobriu em 1972 sobre o passado, cumpre em 1912: hospeda-se no mesmo número de quarto, a mesma assinatura no livro de hóspedes do hotel e… devolve o relógio para Elise que voltará a entregar a Richard 70 anos depois.

Essa é a questão que assombra os fãs do filme: onde foi fabricado o relógio? Se o leitor considerar a linha do tempo do relógio, irá formar um circuito fechado muito parecido com um bambolê — Elise teria o “primeiro” relógio em 1912, e em seguida entregaria para Richard em 1972, de modo que poderia dar-lhe de volta em 1912. O relógio existiria sem nunca ter sido criado. Estaríamos diante daquilo que em Física chama-se CTC — Closed Timelike Curve — linha de tempo fechada.

O relógio viaja através de uma CTC e, portanto, carece de qualquer início ou final. Assim parece ter surgido do nada, criatio ex nihilo. (…)

O “nada” quântico

Pode-se obter algo do nada? As leis da mecânica quântica permitem fazer uma partícula (e sua anti-partícula correspondente) a partir do “nada” (ou o que os cientistas poderiam chamar de “vácuo”). A criação de um elétron (e a sua anti-partícula o pósitron) seria um exemplo. Mas aplicar esse “entrelaçamento quântico” da microfísica para um mundo macro onde relógios de bolso poderiam simplesmente aparecer do nada é muito improvável.

Filmes recentes como Interestelar (Interstellar, 2014) de Nolan ouAmantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013) de Jarmuch são exemplos dessa aproximação do amor com a mecânica quântica — assim como partículas distantes interagem criando padrões como se estivessem conectadas, pessoas distantes que se amam adquirem alguns desses recursos e reagem da mesma forma, ao mesmo tempo para as mesmas coisas.

Um amor eterno que, assim como o relógio de bolso, contraria a segunda lei da Termodinâmica: a Entropia — o Tempo é uma seta que aponta somente para o futuro, logo tudo se deteriora e se decompõe e que, eventualmente, tudo deve morrer. Vamos dizer que de alguma forma o relógio possui uma auto-existência: certamente a ação de 60 anos desgastará o relógio (riscos, batidas, oxidação etc.). O relógio de 1972 retorna para 1912 novinho em folha — deve haver alguma forma de energia que obtenha a reparação do relógio, fechando a curvatura do tempo e abolindo a lei da entropia.

Esse talvez sejam os motivos secretos que ajudaram a tornar Em Algum Lugar no Passado um cult e um novo clássico dentro da história do cinema. Por trás das camadas e camadas de romantismo hollywoodiano, está lá pulsando uma antiga mitologia gnóstica que a mecânica quântica parece ter atualizado: a diferença entre criação e emanação — todo o cosmos jamais foi criado. Simples foi “emanado” em um Eterno Presente.

Talvez aí esteja o espírito da contestação atual ao clássico modelo do Big Bang feita por muitos físicos atuais como Saurya Das (Universidade de Lethbridge, Canadá) que afirma que a matemática e a teoria do Big Bang se anulariam por conta dos infinitos — sobre isso clique aqui.

O Universo sempre existiu e qualquer questão sobre início ou fim é meramente religiosa ou escatológica. E o cinema acrescentaria: assim como o Universo, o amor também é eterno. — Amor e paradoxos quânticos no filme “Em Algum Lugar do Passado”

Sendo um pouco, menos nostálgico, a falacia dos recursos irrecuperáveis me lembra aquela piada de véio dos dois portugueses que nadaram de Portugal até o Brasil e voltaram quando estavam perto da praia para Portugal, porque já estavam cansados demais para prosseguir, com uma diferença -que não faz a menor diferença- na falacia da falacia eles voltam mesmo depois de nadar tanto não encontraram nada, nem praia, nem Brasil. Ou se preferir moral da história: a singularidade de toda história de uma vida é como o paradoxo do relógio, uma linha do tempo que vai se curvando, até se fechar em si mesma, brusca ou lentamente, e quando isso ocorre um novo horizonte de eventos se abre.

A esquerda não vai ficar para semente, não vai rejuvenescer, reciclar, nem se reinventar, ela vai morrer. E há de morrer, antes de renascer. Seu ciclo vai se fechar, tragado pela força do próprio vórtice de eventos que fez dela tudo que ela foi. Mas não vai desaparecer, muito pelo contrário, vai finalmente ser o que não conseguiu, nem fez questão de ser, em seus (velhos e bons) tempos, vai ser enfim o espaço para abertura e criação dos novos horizontes. Por que? Porque se não o for e quando mais uma vez deixar de sê-lo, não será mais ou jamais nada daquilo que um dia se resolveu chamar por “esquerda”, nem nada além dessas bandeiras booleanas.

Já quanto a nós, que não somos tão jovens assim para estar ainda tão certos e convencidos da nossa inteligentes, nem tão velhos para emburrecer teimosamente tão precocemente. Fica o dilema do navegante português, que como brasileiros reduzimos a piada no fundo sobre nós mesmos e nossa visão de mundo: vamos nadar de volta, afundados na saudade de um passado e futuro que nunca veio, ou continuar nadando em frente, no presente, seja ele qual for?

O velho navegador Fernando Pessoa responde:

Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: “Fui eu ?”

Deus sabe, porque o escreveu.

Fui.

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Marcus Brancaglione

X-Textos: Não recomendado para menores de idade e adultos com baixa tolerância a contrariedade, críticas e decepções de expectativas. Contém spoilers da vida.